Specialist AO – Dr. Moses Caiaia – Investimento Privado em Angola

Os Contratos de Assistência Técnica entre empresas associadas no âmbito do Investimento Privado

A sociedade A é especializada em fundações especiais. A sociedade B dedica-se ao exercício do comércio a grosso e a retalho de produtos e materiais de construção.

Ambas têm em comum o facto de terem sido constituídas ao abrigo da Lei do Investimento Privado, bem como o facto de pretenderem proceder o registo de contratos de assistência técnica com sociedades de direito estrangeiro em relação aos quais as mesmas estão associadas.

Ora, no ordenamento jurídico angolano a realização de contratos de assistência técnica estrangeira ou de gestão, a serem celebrados pelas empresas privadas, é regulada pelo Decreto Presidencial nº 273/11, de 27 de Outubro (Regulamento Sobre a Contratação de Serviços de Assistência Técnica Estrangeira ou de Gestão), com as alterações introduzidas pelo Decreto Presidencial nº 123/13, de 28 de Agosto. Excluem-se deste regime, conforme consagra o n.º 2 do art.º 1, os contratos de tecnologia e os casos que consistam na contratação individual de especialistas.

Para o nosso artigo, interessa analisar o regime previsto no n. º 6, também do art. º 1, que é aplicável às sociedades de direito angolano que tenham sido constituídas ao abrigo do investimento privado. Antes, interessa fazer um enquadramento geral da matéria no âmbito do investimento privado.

O investimento privado em Angola é regido, sobretudo, pela Lei n.º 10/18, de 26 de Junho. O referido diploma veio revogar a Lei n.º 14/15, de 11 de Agosto e trouxe aspectos inovadores para além de ser considerada, por vários especialistas, como bastante actrativa ao investimento privado, mormente, o investimento estrangeiro.

Entre os traços marcantes da Lei, sublinhe-se a inexistência de um valor mínimo para o investimento privado, a consagração de dois regimes processuais para a realização do investimento privado (o de declaração prévia e o contratual), a consagração de quatro zonas de desenvolvimento do país para efeitos de atribuição de benefícios e facilidades (que não se circunscrevem apenas aos de âmbito fiscal) e a consagração de sectores e actividades prioritárias.

É evidente o interesse do país em promover o sector industrial, através de várias políticas que venho sendo tomadas, e a LIP é uma prova disso mesmo. No art.º 28 do referido diploma, que define os sectores prioritários, pode ler-se que “para efeitos de atribuição de benefícios previstos na presente Lei, são considerados prioritários os segmentos de mercado em que se identifique potencial de substituição de importações (…)” (itálico nosso).

Embora a norma não se refira expressamente sobre o sector industrial, infere-se da mesma que é este que se visa, prioritariamente, apoiar. Salvo um melhor entendimento, esta é a via que potencializa a substituição de importações.
Deixaremos para especialistas de outras áreas uma abordagem mais económica ou política do tema e cingir-nos-emos no que decidimos tratar.

Assim, importa analisar o que releva da nossa conclusão, em relação à actividade industrial, para o tema sobre a assistência técnica.

Como é sabido, a actividade industrial, sobretudo a que é levada a cabo por estrangeiros pode ser desenvolvida com recurso à transferência de tecnologia (que não deve ser aqui confundido com os contratos de tecnologia que a própria lei exclui do seu âmbito de aplicação). O art.º b, do n.º 1 do art.º 9 (que define as operações de investimento externo) refere que a introdução de tecnologia e conhecimento, desde que representem uma mais-valia e sejam susceptíveis de avaliação pecuniária.

Não nos iremos debruçar, neste artigo, acerca dos contornos que esta norma levanta, na realidade angolana, pelas dificuldades que existem, quer por falta de meios materiais quer por falta de recursos humanos, para se poder certificar um investimento que se traduza em tecnologia e conhecimento. Reservaremos uma abordagem a respeito deste assunto para um próximo artigo.

Ao investimento no sector industrial está quase sempre associada uma forte componente de assistência técnica. É só olharmos para o caso da sociedade A que pela natureza da sua actividade potencialmente necessita de tal assistência para determinados tipos de fundações e ainda para a manutenção específica dos seus equipamentos. Isto implica, com frequência, o recurso a técnicos estrangeiros.

Sucede que, muitas empresas veículos dos projectos de investimento privado, são constituídas por empresas estrangeiras e em relação às mesmas mantém uma relação de associação (que são os casos das sociedades A e B que apresentamos supra por hipótese), o que as leva a suprirem determinadas necessidades para o seu funcionamento através das suas associadas. É aqui que nasce o problema.

Como já referimos, no caso de empresas associadas a Lei proíbe o registo dos contratos de assistência. O n.º 6 do art.º 1º do citado Regulamento refere que “As empresas constituídas ao abrigo da Lei do Investimento Privado, não podem celebrar contratos de prestação de assistência técnica estrangeira ou de gestão com os respectivos associados estrangeiros, salvo em casos excepcionais, devidamente autorizados pela ANIP , após parecer do Ministério da Economia, devendo os mesmos ter uma duração previamente estabelecida.”

A questão principal e que tem sido objecto de várias discussões consiste em saber o que são casos excepcionais, na medida em que a Lei não dá qualquer definição e nem critérios para que se possa definir um leque de situações que se enquadrem em tais casos. De uma coisa temos certeza: cabe à entidade da administração pública competente para autorizar definir os casos ou os critérios.

A questão é: o que levaria, tendo em conta os dois exemplos que expusemos supra, a se autorizar o contrato de assistência técnica que a sociedade A celebrou e o mesmo não se possa verificar em relação ao contrato da sociedade B?

Pela nossa experiência prática, como cultores do investimento privado, embora a Lei não preveja critérios, têm sido definidos três requisitos cumulativos, nomeadamente:

  1. que a actividade implique um elevado grau de conhecimento tecnológico;
  2. que não estejam disponíveis no mercado nacional empresas com igual nível
    de especialização técnica que a empresa que se pretende contratar; e
  3. que esta (empresa) se mostre capaz de prestar a aludida assistência.

Primeiro requisito

A activiade e os meios que devem ser objecto de assistência técnica deve pressupor um grau de conhecimento tecnológico seja elevado. Por exemplo, suponhamos que a sociedade A pretenda assistência técnica da sua associada para execução de estacas dúcteis e a sociedade B pretenda um software de gestão para melhorar o controlo das suas vendas. Sem prejuízo da análise específica de cada caso numa situação concreta, à primeira vista não parecem restar dúvidas de que a assistência que a sociedade A pretende trata-se de uma actividade específica.

O mesmo poderá não ser dito em relação aos softwares de gestão que a sociedade B pretende contratar, embora também possam existir tais materiais com um nível de exigência alto.

Segundo requisito

Apurar se no mercado nacional há ou não empresas com igual nível de especialização técnica pode não ser fácil, porém, não será difícil as empresas procurarem no mercado. Admitimos que se possa discutir a questão da medida “igual”, mas, é preciso não levar ao extremo. Esta questão, defendemos nós, deve ser – se suscitar dúvidas– ultrapassada mediante a solicitação de uma parecer ao departamento ministerial competente para licenciar a actividade em relação a qual se pretende obter assistência técnica.

Entretanto, não deixamos de considerar que em relação à sociedade A, parece ser de facto difícil encontrar empresas com o nível de especialização técnica que a actividade da mesma exige. Em relação à B, temos dúvidas de chegar à mesma conclusão porquanto é comum empresas conceberem softwares adaptados às necessidades dos seus clientes.

Terceiro requisito

O terceiro e último requisito cumulativo é muito importante porque justifica (ou deve justificar) a razão da escolha. Queremos com isso afastar a ideia de que a escolha deve ser pela associação entre as empresas. Aliás, cremos que a proibição pela qual o legislador optou visa, exactamente, impedir que empresas associadas (mesmo sem haver de facto qualquer prestação de serviços) possam proceder transferências a título de pagamento. Admitir que assim e pudesse proceder, estaríamos abrir o caminho para que as empresas angolanas, com uma mera justificação de que se celebraram contratos com empresa sestrangeiras, pudessem efectuar pagamentos ao exterior como lhes conviesse.

Não é, também, em vão que o legislador obriga a determinação do prazo de duração do contrato.

Entretanto, pensamos que quer no caso da sociedade A quer no caso da sociedade B poderiam reunir o terceiro requisito.

À liça de conclusão, temos que referir que não há dúvidas de que urge a necessidade de se proceder à revisão do Regulamento, com o fito de definir que casos podem ser considerados excepcionais. Apesar do esforço que tem sido feito, julgamos que a escolha com base em poderes discricionários pode originar situações de injustiça (e no limite de ilegalidades) no atendimento dos pedidos de registo de contratos de assistência técnica entre empresas associadas e que a sua actividade seja regulada no âmbito do investimento privado.

  • Especialista em Direito Comercial

E-mail: catiavala89@gmail.com

(1) De acordo com o https://pt.wikipedia.org/wiki/Fundação_(construção) “A fundação ou alicerce é um termo utilizado na engenharia para designar as estruturas responsáveis por transmitir as cargas das construções ao solo”
(2) Deve entender-se que actualmente que é a Agência de Investimento Privado e Promoção das Exportações (AIPEX), por força do disposto no n.º 3 do revogado Decreto Presidencial n.º 184/15 de 30 de Setembro (que estabelecia a transferência para a, também já extinta, APIEX-Angola, dos activos e passivos da extinta ANIP”) combinado com o n. º 3 do Decreto Presidencial 81/18, de 19 de Março assumido a transferência dos activos e passivos da extinta da APIEX-Angola para a AIPEX.

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