A publicação e a entrada imediatamente em vigor do Decreto Presidencial n.º 250/18, de 30 de Outubro, que aprova o Regulamento da Lei n.º 10/18, de 26 de Junho – Do Investimento Privado (a seguir denominada, por abreviação, “LIP”) assinala o fim de um período em que as regras para a realização de Projectos de Investimento Privado à luz da referida Lei eram definidos, em relação a alguns aspectos, pela Agência de Investimento Privado e Promoção das Exportações (adiante designada abreviadamente “AIPEX”).
Tal deveu-se ao facto de o Regulamento que vigorava até à entrada em vigor do novo, aprovado pelo Decreto Presidencial n.º 182/15, de 30 de Setembro, mostrar-se desajustado.
Como já tivemos a oportunidade de referir num dos artigos , a actual LIP trouxe melhorias substanciais, na óptica dos principais aplicadores do aludido diploma e investidores, comparativamente aos regimes anteriores.
Interessa-nos, com este artigo, analisar algumas disposições do novo Regulamento. Dividido em cinco capítulos, ao citado diploma traz vinte e quatro (24) artigos.
No primeiro artigo constam as disposições gerais. A nota aqui vai para o n.º 2 do art.º 2 que define o âmbito da Lei, pois preceitua que o Regulamento também se aplica (fora, como define o n.º 1, os projectos aprovados nos termos da LIP e outros que, embora tenham sido aprovados antes desta, ainda não tenham sido implementados ou os investidores não tenham requerido, expressamente, a submissão ao regime previsto na mesma) aos projectos de investimentos que sejam regulados por lei especial.
Inserem-se nestes casos os do sectores petrolífero, mineiro e das instituições financeiras. Entretanto, observa-se que tal aplicação (que se cinge no registo dos projectos) só releva para efeitos de controlo estatístico e de atribuição do estatuto de investidor privado.
Embora já as leis de investimento privado anteriores previam tal regime de submissão, para os mesmos casos, a novidade recai para o facto de o legislador isentar de qualquer custo o registo de tais projectos.
Todos os procedimentos para o registo dos projectos de investimento, aprovados ao abrigo da LIP, de acordo com o Decreto Presidencial n.º 81/18, de 19 de Março (que aprova o Estatuto Orgânico) e o n.º 3 do Regulamento da LIP, decorrem na AIPEX.
O segundo capítulo é que define, especificamente, o procedimento para o registo dos projectos de investimento privado desenvolvidos ao abrigo da LIP. Antes, importa assinalar alguma “confusão” que o legislador suscita, pois o título do Regulamento é “Regulamento dos Procedimentos Legais do Investimento Privado Realizado ao abrigo da Lei do Investimento Privado”.
Ora, como se pode notar no segundo capítulo apenas é definido um procedimento para registo e não mais do que isso.
Debruçando-nos, concretamente, sobre os documentos que devem instruir o pedido de registo junto da AIPEX, previstos no art.º 6 do Regulamento, sublinha-se o facto de não constar, entre os mesmos, o Estatuto de Viabilidade Económica e Financeira, bem como de qualquer proposta contratual.
Num próximo artigo iremos aflorar o nosso entendimento a respeito desta opção legislativa, mas, importa já indagar, porque será em nosso entender uma questão bastante discutível, em que documento consiste o “comprovativo da existência de fundos ou das outras formas de realização do Projecto de Investimento Privado declarado” que a alínea f) faz referência. Se terá sido essa a alternativa encontrada para a não solicitação do Estatuto de Viabilidade Económica e Financeira, parece-nos que não foi a melhor solução.
Melhor seria, julgamos nós, que expressamente se indicassem os documentos devem ser apresentados para se comprovar a existência de fundos ou das outras formas de realização do Projecto de Investimento Privado declarado.
Assumindo uma posição mais clara, propugnamos que se o investimento se traduz em alocação de recursos financeiros domiciliados no nosso país ou na transferência de fundos do exterior, aos investidores deve ser exigido um documento bancário bastante (e autenticado como já prevê o Regulamento) para fazer prova, e caso consistisse na utilização ou importação de equipamentos em bens de equipamento ou máquinas o legislador deveria optar por exigir a apresentação das facturas correspondentes.
Veremos como a AIPEX irá regular esta questão, embora isto devesse estar clara no Regulamento.
Notamos, também, alguma “confusão” do legislador, ainda no art.º 6, mais propriamente no n.º 5, ao referir que “a sociedade por via do qual é implementado o Projecto de Investimento Privado deve estar previamente constituída”. Pensamos que esta norma não está devidamente enquadrada no artigo sobre o qual nos referimos, pois o mesmo apenas versa, como consta no título do artigo, sobre “Documentos para o registo o investimento”.
Ficamos com a impressão que se procurou aclarar a questão de saber se também as sociedades veículos dos projectos do regime especial devem estar previamente constituídas, pois a LIP apenas prevê, pelo menos expressamente, que assim seja em relação às sociedades cujos projectos venham a ser implementados ao abrigo do regime de declaração prévia. Se se entender que terá sido, de facto, esta a razão para esta opção também não nos parece correcta. Neste caso, o Regulamento vai além da LIP, o que não deve, na medida em que ele apenas concretiza o que prevê o diploma que regula.
A capítulo dois regula ainda o prazo e forma de notificação e tomada de decisão, por parte da AIPEX, em relação aos pedidos de registo que lhe são efectuados, as razões de indeferimento, a comunicação sobre deferimento e os elementos que devem conter no CRIP, para além dos regimes de investimento. Também em relação a esta matéria o legislador do regulamento parece ter dito mais do que a lei.
Uma das questões que se colocou na sequência da aprovação da LIP, prendia-se com o critério de diferenciação para se saber que projectos deveriam seguir o regime especial e quais deveriam seguir o regime de declaração prévia. Isto porque não havendo um valor mínimo, que é o “critério natural”, a LIP parece que deixava à mercê do investidor a escolha.
O n.º 2 do art.º 11 refere que “o Regime Especial aplica-se aos investimentos privados realizados nos sectores de actividades prioritários previstos no art.º 28 da Lei do Investimento Privado (…)”. A contrário sensu, todos os projectos que não se inserem no previsto no art.º 28 seguem o regime de declaração prévia. Também o n.º 2 fixa um critério importante que é da classificação económica.
O n.º 3 acomete à AIPEX o poder de decidir, na fase da análise do pedido de registo, se determinada actividade (a principal) que o investidor declara, enquadra-se ou não na classificação económica dos sectores de actividades prioritários que permitem a submissão ao regime especial.
O capítulo três trata sobre os benefícios e facilidades previstos na LIP. O art.º 12, que versa sobre a atribuição de incentivos, determina que tal se procede automaticamente e directiva a AIPEX a comunicar à Administração Geral Tributária (AGT). Um comentário especial deve ser feito ao preceito previsto no n.º 3 do citado ao artigo que impõe às sociedades comerciais ao abrigo das quais são implementadas os projectos de Investimento Privados, que gozam de benefícios e facilidades nos termos da LIP, a apresentarem declaração fiscal – dos tais projectos – separada das demais actividades económicas que desenvolvem.
Esta norma vai, com certeza, convocar vários problemas na sua aplicação, porque coloca-se a questão de saber como as empresas deverão proceder a tal separação e, também, como a AGT vai tratar desta questão. Admite-se, pela norma, que uma empresa por possa vir a ter mais do que um Número de Identificação Fiscal.
Posta esta complexa questão de parte, não nos parece restarem dúvidas que a opção legislativa vem responder aos enormes prejuízos que durante muitos anos o Estado teve pela falta de controlo e rigor em matéria de atribuição de incentivos e benefícios fiscais.
Era comum empresas que já desenvolviam actividades económicas antes de aderirem ao regime do investimento privado, ao submeterem-se ao mesmo e se tivessem acesso a incentivos fiscais estes estendiam-se, inclusive, àquelas actividades (para além das que eram aprovadas no âmbito do regime de investimento privado). Ora, isto obviamente era um problema.
O art.º 13 do regulamento, também inserido no capítulo três, versa sobre o acesso ao crédito interno, que é também uma facilidade que o Estado pode conceder de acordo com o art.º 25 da LIP. O que releva nesta matéria é o facto de os investidores externos e as sociedades comerciais mistas não serem elegíveis ao crédito interno no caso de pretenderem aceder ao mesmo para o desenvolvimento do projecto inicial em Angola. O legislador designa “primeiro” projecto, porém, não concordamos com a expressão por não ser, do nosso ponto de vista, muito rigorosa e poder assumir vários sentidos.
Não nos opomos totalmente à opção, porém, defendemos que o recurso ao crédito interno pelas referidas sociedades poderia ser possível se, na apreciação sobre a realização global do projecto inicial, o mesmo estivesse realizado, no mínimo, a 80%. Há várias razões que nos levam a propugnar este entendimento, sendo um deles, a alteração da conjuntura económica.
Pense-se num projecto de 3.000.000, 00 USD aprovado no primeiro trimestre de 2015 e cuja implementação deveria acontecer até o fim do referido ano. Sucedeu que neste período Angola começou a enfrentar uma crise económica e o investidor apenas tinha transferido 250.000, 00 USD. Supondo que a LIP actual e o seu Regulamento já tivessem a vigorar, o investidor do projecto em causa nunca poderia aceder ao crédito interno, mesmo com a desvalorização da moeda nacional (que afectaria com certeza a viabilidade económica e financeira do seu projecto).
O art.º 14 do Regulamento regula os benefícios ao reinvestimento. Fixa que o procedimento para o registo do reinvestimento é o mesmo que está definido para investimento inicial, limitando e vedando o acesso aos benefícios sobre ao qual nos referimos em situações diferentes.
De acordo com o n.º 4 do referido artigo, a atribuição de benefícios na modalidade de reinvestimento apenas é possível uma vez. O n.º 5 veda, completamente, o acesso a novos benefícios ao reinvestimento por parte das sociedades comerciais que obtiveram benefícios fiscais na modalidade de reinvestimento ao abrigo aos regimes anteriores ao do actual Regulamento.
O capítulo quatro versa sobre as acções de acompanhamento e fiscalização e parece ter retomado, com ligeiras diferenças, o que já previa o anterior Regulamento.
Há um regime, que considero especial por se referir especificamente às vicissitudes do projecto, de acompanhamento. Está previsto no art.º 18.
Obriga-se o investidor à comunicar à AIPEX, dentro de 15 dias, as alterações que consistam em cessão de quotas, transmissão de acções, aumento do capital social, alargamento do objecto. O prazo é a contar desde a data de verificação do evento.
A questão aqui que se poderá suscitar é a de saber qual é a consequência legal pela falta de comunicação dentro dos prazos previstos no Regulamento. Poderá considerar-se uma transgressão que consista em falta de informação? Parece-nos que sim, embora esta transgressão, que vem prevista na al e) do art.º 47 da LIP, habitualmente, seja aplicada nos casos em que não há apresentação de informação através do relatório que o investidor deve submeter periodicamente a dar nota sobre a execução do seu projecto de investimento privado.
O quinto e último capítulo fixa as penalizações e a consignação de multas. Mais uma vez, do nosso ponto de vista, o legislador parece ter falhado ao ter incluído no aludido capítulo o art.º 24, que versa sobre os emolumentos e taxas. O novo regime sobre esta matéria, ajustado à actual LIP e ao contexto económico, revoga o previsto no Decreto Presidencial .º 162/17, de 12 de Julho.
Chegados aqui e mesmo com os aspectos críticos que tivemos a oportunidade de referenciar, podemos concluir que não restam dúvidas que através do novo Regulamento o procedimento para a realização de projectos de investimento provado afigura-se mais facilitado e célere. Caberá, pois, à AIPEX e as demais instituições que intervém no procedimento actuarem em conformidade com o que consta no aludido diploma.
Notas de rodapé:
(1) Vide o nosso artigo “Os Contratos de Assistência Técnica entre empresas associadas no âmbito do Investimento Privado” em Specialist AO
One thought on “Specialist AO – Dr. Moses Caiaia – Nótulas sobre o novo Regulamento da Lei do Investimento Privado, publicado no dia 30 de Outubro de 2018”