O Presidente da República, João Lourenço, rejeitou ontem, em Lisboa, que as recentes declarações da empresária Isabel dos Santos, fundadas na reacção do ex-Presidente José Eduardo dos Santos a uma entrevista a um jornal de Portugal, possam provocar instabilidade política no país.
Lacónico em relação à questão colocada na conferência de imprensa de balanço da visita de três dias àquele país, que terminou oficialmente ontem com um almoço oferecido pelo homólogo, Marcelo Rebelo de Sousa, o Chefe de Estado disse: “Devo assegurar que não haverá instabilidade política em Angola. E, em princípio, é tudo quanto tenho a dizer.”
Desaparecido o “irritante” que havia nas relações com Portugal, o Presidente João Lourenço disse que as relações são boas. O que é que ainda pode haver para que as relações sejam de mais afectividade e, tal como fazia o actual Presidente português quando era comentador de televisão, qual é a nota que dá às relações numa escala de um a dez?
Devo dizer que não existem obstáculos pelo caminho na relação entre Angola e Portugal. E se existiu algum foi de menor importância. Esta é uma situação que está ultrapassada. Vamos olhar para o presente e para o futuro.
Numa contagem de um a dez não posso dar nota máxima, porque o objectivo é chegarmos aos dez. É atingirmos a excelência nas nossas relações. Não quer dizer que sejam já excelentes. São muito boas, daí termos obrigação, enquanto políticos, de continuar a trabalhar no sentido de atingirmos a tal nota dez.
Angola importa anualmente mais de mil milhões de dólares em bens alimentares. Quanto tempo estima necessário para o país ter uma produção alimentar suficiente?
O meu mandato é de cinco anos. Portanto, é minha obrigação lutar no sentido de conseguir, ou pelo menos aproximar, esta meta ainda neste mandato, se for possível. Caso contrário, e todos nós temos o direito de lutar por um segundo mandato, é conseguir isso no segundo mandato.
Disse recentemente que a ferida do 27 de Maio ainda não está cicatrizada. Em Portugal, também há órfãos deste trágico acontecimento. Gostaria de saber o que o Governo angolano está a fazer e se pensa reparar estas famílias?
O ‘dossier 27 de Maio’ é delicado, porque naquela altura Angola perdeu alguns dos seus melhores filhos. O Estado angolano já reconheceu isso, em diversas ocasiões, a última das quais muito recentemente pelo ministro da Justiça e dos Direitos Humanos, Francisco Queiroz, no Parlamento. O ministro reconheceu ter havido excessos por parte do Governo de então e de estarmos abertos ao diálogo, para vermos de que forma podemos – não obstante terem passado décadas – reparar as feridas profundas que ficaram nos corações de muitas famílias.
Portugal é o principal esconderijo do dinheiro que saiu ilicitamente de Angola?
Se é o principal destino não confirmo. Não confirmo uma vez que acreditamos que essas fortunas – e estou a falar de fortunas e não apenas de dinheiros – estarão espalhadas pelo Mundo. Muito provavelmente, para além de Portugal obviamente, estará em locais nunca antes imaginados. Portanto, é nossa obrigação, com os meios de que qualquer Estado dispõe e com os contactos que deve fazer com outros Estados, tentar localizar estas mesmas fortunas. Estará eventualmente em Portugal, mas também em muitos outros países.
Que comentário faz sobre a facilidade com que Portugal recebeu essas fortunas indevidas de cidadãos angolanos?
Essa pergunta seria mais para as autoridades portuguesas e não para mim. As autoridades portuguesas é que devem responder essa pergunta.
Já disse que não tem receios das reacções que podem advir das acções de combate à corrupção que o seu Governo traçou.
A empresária Isabel dos Santos, na rede social Twitter, previu uma profunda crise política em função das declarações que o Presidente João Lourenço fez recentemente à imprensa sobre o estado em que encontrou o país e das reacções que advieram com a conferência de imprensa do ex-Presidente José Eduardo dos Santos?
Devo assegurar que não haverá instabilidade em Angola. E, em princípio, é tudo quanto tinha a dizer.
As dívidas certificadas do Estado angolano às empresas portuguesas são mesmo 200 milhões de euros ou mais?
Eu não sou técnico, sou político. Portanto, há questões de pormenor que não me compete responder. O que devo dizer é que uma coisa é declarar outra é certificar. Posso declarar dez e, depois da certificação, concluir que são apenas oito e não dez, por exemplo.
Portanto, até aqui, o que foi certificado, dívida comprovada, são os 200 milhões de euros. Essa afirmação não é das autoridades angolanas. O próprio senhor Primeiro-Ministro, António Costa, referiu-se a esses 200 milhões de euros, o que significa dizer que Portugal concorda com a certificação feita pelas autoridades angolanas e das quais, como disse, cerca de metade já foi liquidada e a outra que está certificada tem a garantia de que virá a ser liquidada.
Fala-se na possibilidade de a Sonangol sair do capital da petrolífera portuguesa GALP. Já há prazos e qual seria a modalidade?
Em primeiro lugar, quero precisar que nunca alguma autoridade angolana disse que a Sonangol se iria retirar dos negócios em que está em Portugal. Este particular “em Portugal” nunca nenhuma autoridade angolana o disse. Falamos, sim, no geral.
A orientação que a Sonangol tem, e no quadro da privatização que pretendemos fazer, é analisar caso a caso, porque a Sonangol está em mais de 100 empresas.
Em que empresas ela se deve retirar? Até ao momento, concluímos que ela se deve retirar de 52 empresas. Portanto, cerca de metade em que ela está em negócios que não têm a ver propriamente com a produção e comercialização de petróleo. Mas nunca nos referimos expressamente a negócios aqui em Portugal.
Não há empresas em concreto?
Não posso precisar. Mas, já agora, posso dizer que há uma empresa cujos representantes me procuraram preocupados para saber se a Sonangol iria sair ou não do seu capital e, em princípio, dissemos aos representantes desta empresa para estarem descansados. Estou a me referir a um banco.
O Governo de Portugal prometeu colaborar e apoiar o Estado angolano no repatriamento de capitais. Que passos concretos espera agora que possam ser dados por Lisboa e, já agora, tendo em conta aos muitos negócios conhecidos de Isabel dos Santos em Portugal e Angola, admite que, até ao fim do ano, enquanto Chefe do Governo, haja indícios de Isabel dos Santos ter lesado o Estado angolano?
Quanto aos passos concretos que o Governo português dará para cumprir com o que prometeu apenas ontem – foi apenas ontem que o Primeiro-Ministro António Costa fez esse anúncio -, eu penso que é cedo para dizer.
Portanto, o simples facto de ele ter anunciado publicamente que há esta predisposição das autoridades portuguesas colaborarem no processo de repatriamento de capitais para nós já é muito bom. O resto é uma questão prática para vermos em conjunto – e não apenas o Governo português que estará em permanente diálogo com as autoridades angolanas – as melhores formas de o fazer.
Em relação a Isabel dos Santos?
Não tenho explicações a dar, agradeço.
O ministro dos Negócios Estrangeiros português, Augusto Santos Silva, disse que o Presidente de Angola deixou-nos um “caderno de encargos muito claro e nós temos todas as condições de participar na sua execução”. Há, para o Presidente João Lourenço, situação idêntica por parte de Portugal?
A maneira ideal de Portugal fazer esta participação é, sobretudo, garantir que investidores portugueses façam as malas e vão para Angola, não gosto de utilizar a expressão – mas vou fazê-lo – “em força”.
E não quis utilizar esta expressão porque aqueles que conhecem a história de Angola talvez saibam o que isso significa, daí as razões de essa expressão dever ser evitada. Gostaríamos de ver os empresários portugueses “em força” em Angola, sobretudo, os empresários ou empresas pequenas e médias de, praticamente, todos os ramos da economia, agricultura, pescas, turismo, indústrias, etc.. Creio que, se Portugal fizer isso, Angola agradece.
O processo de reestruturação da Sonangol e de vendas das suas participadas será acelerado por causa da queda do preço do petróleo no mercado internacional e que impacto é que esta queda está a ter no Orçamento Geral do Estado actual e para o próximo ano?
Temos um calendário de privatizações que pode vir a ser influenciado caso o preço do barril do petróleo siga esta tendência baixista. Portanto, se seguir esta tendência baixista o calendário deverá ser ajustado e, com mais facilidade, vamos desencadear esse processo de privatizações.
O preço do petróleo no mercado internacional está a cair. Que impacto isso pode ter para a economia angolana?
Nessa questão do petróleo há sempre duas posições contrárias. Há aqueles que são apenas consumidores do petróleo como fonte de energia que, obviamente, defendem que os preços sejam os mais baixos possíveis.
Contrariamente, os produtores puxam os preços para cima. É a lei do mercado, quem quer vender quer fazê-lo ao melhor preço – alto -, e quem quer comprar também tem o seu melhor preço – baixo. O conceito de melhor preço entre ambos é diferente. Portanto, não vou dizer exactamente qual o melhor preço que gostaria de ver para o barril de petróleo. D
irei apenas que quanto mais alto melhor. Há pouco tempo, o preço estava muito próximo dos 80 dólares/barril. Para nós era bom enquanto produtores.
Neste momento, está em cerca de 50 dólares. É mau para quem produz. A Organização dos Países Exportadores de Petróleo (OPEP) sempre defendeu valores equilibrados, porque preços altos são preços irrealistas e têm outras consequências. Portanto, não basta querer vender, é preciso que haja compradores dispostos a pagar pelo preço, e se os preços forem muito elevados podem complicar o equilíbrio que, em princípio, deve haver entre a procura e a oferta.
A Caritas de Angola diz que estão a morrer mais angolanos por falta de assistência médica do que durante a guerra. O país continua a ter uma das mais elevadas taxas de mortalidade infantil do Mundo. Qual é a ajuda que espera de Portugal para melhorar estes indicadores?
Em primeiro lugar, dizer que não é verdade essa estatística a que se referiu, de que morre mais gente hoje do que no período da guerra. Não corresponde à verdade. A assistência de saúde no país melhorou desde o fim do conflito armado.
É evidente que ainda não estamos satisfeitos com o estado de assistência às nossas populações, porque há muito trabalho por fazer. Há investimentos por realizar em todos os domínios, nas infra-estruturas, equipamentos, formação de quadros, e é, sobretudo, na formação do homem que gostaríamos de contar com Portugal.
Foi assinado, entre os 13 instrumentos de cooperação, um que tem a ver com a possibilidade de professores portugueses – não só de Língua Portuguesa mas de outras áreas -, irem trabalhar em Angola. Do pedido que fizemos a Portugal, estendemos também para a área da Saúde. Não foi possível assinar, durante esta visita, um acordo no domínio da Saúde, mas vamos fazê-lo, provavelmente, por ocasião da visita a Angola do Presidente Marcelo Rebelo de Sousa, em princípios do próximo ano.
Angola assume a presidência da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP) para os próximos anos. Que desafios esta comunidade ainda tem por concretizar?
A nossa opinião é de que podemos explorar um pouco mais as possibilidades que a CPLP nos dá. Que não exploramos ao máximo, isso é uma apreciação geral. Portanto, agora temos de ver como podemos sair dessa situação e maximizar as potencialidades que a CPLP nos oferece e podem ser atingidas.
Jovem Ulica: Uma “penetra” na conferência de imprensa
A jovem Ulica, angolana a residir em Portugal, interrompeu ontem a conferência de imprensa de balanço da visita do Chefe de Estado, João Lourenço, para pedir esclarecimentos sobre os seus progenitores, alegadamente desaparecidos durante os assassinatos que se seguiram ao 27 de Maio de 1977.
Em lugar impróprio para abordar o assunto pessoal e numa atitude oportunista, a jovem interrompeu uma jornalista que colocava questões sobre o mesmo assunto, para confrontar o Presidente João Lourenço sobre o paradeiro dos pais.
A jovem, que disse ter nascido em Benguela, tentou associar a sua preocupação em obter respostas ao facto de João Lourenço ter nascido no Lobito (Benguela).
Entre pedidos colectivos para que ela se calasse, fundados no facto de não ser aquele o lugar ideal para colocar a sua preocupação, o Presidente João Lourenço, sereno, pediu que a deixassem falar, para ele mesmo tratar de responder à jovem.
“Deixem ela falar, deixem ela falar”, insistiu o Presidente da República.
Interrompido por segundos, quando retomou a palavra, João Lourenço esclareceu que não havia problema nenhum em abordar o assunto. “Só que estamos numa conferência de imprensa. Podemos falar sobre o assunto fora daqui, porque aqui estão jornalistas. E estava uma jornalista no uso da palavra e a senhora interrompeu”, aconselhou o Presidente, com paciência.
O Presidente da República esclareceu a jovem, que se convenceu que ser conterrânea de João Lourenço era meio caminho andado, nos seguintes termos: “Ser umbundu para mim não é significante. O que mais conta, para mim, é ser angolano, umbundu, kimbundu, cokwe, kikongo, etc.. Portanto, o facto de eu ter nascido no Lobito não dá privilégios a ninguém que também tenha nascido lá”, esclareceu à jovem que se calou logo de seguida.
Publicação da autoria de Fonte Externa:
Jornal de Angola
25/11/2018