Specialist AO – Dr. Milton Delo – O Estado Desenvolvimentista e a Política Industrial

O insucesso da Economia Planificada na antiga União Soviética difundiu a crença de que os Estados apenas criam distorções; sendo assim, os mercados deveriam ser completamente liberalizados.

Naturalmente, este argumento falho baseia-se na arrogância neoclássica, endossada pelo FMI e outras instituições afins, de que os mercados coordenam perfeitamente os preços e os interesses, reconhecendo as escolhas legítimas dos indivíduos.

Porém, é consenso que o comportamento racional nem sempre se traduz em eficiência ou óptimo de Pareto, ou seja, melhorar a condição de alguém sem prejudicar a de outra pessoa. A “acumulação primitiva de capitais”, descrita pelo presidente José Eduardo dos Santos, apesar de melhorar a condição de vida de um grupo restrito de pessoas criou uma série de constrangimentos na vida do povo angolano. Logo, não se tratava de uma política eficiente ou óptima de Pareto ainda que fosse uma medida racional.

Na presença de falhas de mercado, assimetrias de informação, monopólios, condutas anticompetitivas, externalidades, a necessidade de oferta de certos bens públicos e não só, a intervenção do Estado na economia não é apenas desejável, mas também necessária como atestam as mais recentes tímidas pretensões do Estado Angolano.

O período que precede o sucesso económico dos Tigres Asiáticos (Hong Kong, Coreia do Sul, Singapura e Taiwan) foi marcado por uma fervente oposição entre dois paradigmas dominantes do desenvolvimento económico: um focado no mercado e a hegemonia da “mão invisível” e o outro no papel do Estado como o timoneiro do progresso.

Contudo, o desempenho exemplar destes países é parcialmente atribuído ao intervencionismo estatal e uso extensivo de políticas industriais. Esse facto contra-intuitivo leva-nos a indagar o papel timorato do Estado Angolano no processo do desenvolvimento da economia. Como afirmam outros especialistas em matéria de desenvolvimento, “eles [os asiáticos] não acreditam na mão invisível”.

O objectivo precípuo deste texto não é apresentar ao leitor um debate sobre os paradigmas supracitados, mas antes examinar dois conceitos que nos parecem particularmente úteis para abordar o problema da economia em Angola: o estado desenvolvimentista e a política industrial.

O conceito do estado desenvolvimentista, longe do que é propagado pelos proponentes do mercado livre, não defende um papel autoritário do Estado como se observou em Angola nos anos 70 e 80 ou ainda na antiga União Soviética, negligenciando por completo o poder dos mercados em produzirem resultados eficientes. Contrariamente, defende a ideia de que o Estado deve estar no centro da gestão da transformação estrutural que ocorre durante o processo do desenvolvimento económico, usando os mercados como o principal motor de crescimento.

Ao contrário dos Tigres Asiáticos, em Angola o Estado intervinha fixando preços, regulando excessivamente o sector financeiro, nacionalizando as operações agrícolas, mineiras, etc., o que ofuscou o potencial do interesse privado. Não obstante a natureza intervencionista do estado desenvolvimentista as actividades económicas devem ser orientadas pelo fundamentalismo do mercado. Ao em vez de substituir os mercados, o Estado complementá-los.

O desenvolvimento económico precisa de uma estratégia – um conjunto de metas, instrumentos, ferramentas e um cronograma predefinido. Porém, no centro do arsenal estratégico de qualquer estado desenvolvimentista encontra-se a política industrial – uma medida provisória para promover a industrialização através de sectores chaves da economia, ao contrário de uma política macroeconómica mais ampla que deve ser vista como complementar.

Não se percebe a actual estratégia de desenvolvimento em Angola. Todavia, com reservas, poderíamos supor que o PRODESI (Programa de Apoio à Produção Nacional, Diversificação das Exportações e Substituição de Importações) e o PROFIR (Programa de Fomento da Pequena Indústria Rural) enquadram-se naquilo que pensamos ser uma tentativa de política industrial, porém, genéricas e baseadas no pressuposto de que um tamanho serve para todos, não obstante as idiossincrasias sectoriais e regionais.

É do nosso entender que uma estratégia sectorial dirigida à manufactura desempenharia melhor o papel da transformação da economia angolana no longo prazo. Apesar de uma política industrial não ser um simples agrupamento de aspirações, como é o caso de vários programas em curso no país, as indústrias deveriam ser sequencialmente estabelecidas e gradualmente permitidas a envolverem-se no comércio competitivo com o resto do mundo tendo em vista às seguintes metas: (1) desenvolver capacidades tecnológicas, (2) promover as exportações e (3) construir a capacidade interna para fabricar uma gama de bens intermediários.

O desenvolvimento industrial exige o uso de políticas industriais selectivas. A política industrial envolve a priorização de um determinando sector ou indústria específica como o principal motor de crescimento económico e da transformação estrutural. De um lado está a ideia de estruturar a produção industrial no sector onde o país demonstra vantagens comparativas, a eito acumular capital e gradualmente reinvestir os lucros em estruturas mais produtivas. Por outro lado, o país poderia optar por estender a sua produção para além da sua vantagem comparativa.

O desenvolvimento económico através da industrialização não é apenas o melhor caminho a seguir, mas também é única opção disponível para países como Angola.

Nas palavras de Célestin Monga “… há mais de dois séculos, a industrialização tem sido o principal motor de crescimento e prosperidade no mundo e ajudou a tirar da pobreza milhões de pessoas…” O crescimento económico, como uma condição sine qua non para o desenvolvimento, é acelerado através da manufactura, já que os níveis de produtividade são maiores neste sector.

A agricultura, estando no sector primário, não faz parte da manufactura. Ou seja, até onde sabemos, não deveriam existir políticas industriais na agricultura. Angola deverá reexaminar claramente as suas vantagens comparativas em relação à outros países, ao invés de procurar a especialização nas exportações de produtos agrícolas, pois não somos o único país do mundo com um potencial agrícola de maravilhar. “A agricultura é importante e deve, sem sombras de dúvidas, servir de suporte à indústria de manufacturados e garantir a segurança alimentar, mas não deve ser vista como o pivô da estratégia de desenvolvimento.”

Em suma, como argumentado na introdução e defendido nas secções subsequentes, o Estado deve estar no centro do processo de desenvolvimento económico. Apesar de ser uma tarefa árdua, a diversificação da economia só será possível com o envolvimento activo do Estado na criação de novos mercados e reformulação de mercados existentes para além dos axiomas neoclássicos impostos pelo FMI; soerguendo um estado desenvolvimentista e o uso extensivo de políticas industriais.

Notas de rodapé:

(1) Economia neoclássica é uma expressão genérica utilizada para designar diversas correntes do pensamento económico que estudam a formação dos preços, a produção e a distribuição da renda através dos mecanismos de oferta e demanda, assumindo um perfeito funcionamento dos mercados sem a necessidade de intervenção do Estado. Entre os proponentes mais destacados desta teoria encontram-se os renomados economistas Carl Menger, Léon Walras, William Stanley Jevons, Alfred Marshall, Knut Wicksell, Irving Fisher e Alfred Marshall.
(2) Eficiência ou óptimo de Pareto é um conceito desenvolvido pelo economista franco-italiano Vilfredo Pareto, que define um estado de alocação de recursos em que é impossível realocá-los tal que a situação de qualquer participante seja melhorada sem piorar a situação individual de outro participante. Ou seja, não se pode melhorar a condição de alguém sem que se prejudique a condição de outra pessoa.

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