Specialist AO – Dr. Moses Caiaia – Uma análise sobre regime de declaração de falência das instituições financeiras a requerimento do órgão de supervisão. O caso dos bancos “Mais” e “Postal”.

Recentemente o Banco Nacional de Angola (adiante designado, abrevidamente, por “BNA”) tornou público que decidiu revogar a autorização referente ao exercício da actividade bancária de dois bancos angolanos, nomeadamente, o “Banco Mais” e o “Banco Postal”.

Anunciou, também, que vai requerer o decretamento da falência de ambos. As referidas medidas devem-se pelo facto dos accionistas dos aludidos bancos não terem realizado os respectivos aumentos de capitais obrigatórios para Kz 7.500.000.000,00 até o dia 31 de Dezembro de 2019, conforme previa o art.º 3 do Aviso n.º 2/18 do banco central.

Como cultores do Direito comercial, particularmente o angolano, entendemos ser necessário reflectirmos em torno da decisão e aferir em que medida a mesma tem algum respaldo legal à luz do Direito falimentar angolano.

Já advogamos (Ver Nota de Rodapé n.º 1) que é urgente a reforma do Direito falimentar angolano (aplicável a todos os comerciantes), no sentido de o mesmo atender ao novo paradigma que se quer para a actividade económica. Como em outras paragens, o nosso Direito falimentar deve, prever normas que possam, especialmente, agilizar os modos e procedimentos da liquidação de bens e pagamentos aos credores, assim como um processo, também, mais celere de recuperação de empresas.

É obvio que esta visão levada à banca deve ser tida com o devido cuidado porquanto as experiências de outros países permitem-nos perceber muito bem as consequências do mau funcionamento de um banco para o sistema financeiro e até a economia de um país.

Se em economias mais desenvolvidas ou sólidas as consequências são desastroras, no caso de Angola, em que ainda se encontra em desenvolvimento, e só agora vai existindo uma maior cultura de recurso aos bancos e aos serviços uma má actuação dos mesmos minaria, completamente, a “confiança”. Palavra importante no léxico do direito comercial.

É, pois, esta confiança que o BNA, e muito bem, pretende manter. Todavia, deve-se fazê-lo no estrito cumprimento das regras jurídicas, pois quem investe também precisa de ver salvaguardo os seus interesses e perceber que, de facto, o mercado também inspira “confiança”.

No Direito angolano as normas que regem a falência estão previstas no Código de Processo Civil (CPC), mais propriamente no art.º 1135 e seguintes.

O ordenamento jurídico angolano ainda conserva a distinção entre falido e insolvente, sendo falido o comerciante impossibilitado de cumprir as suas obrigações e insolvente o devedor não conerciante quem tem um património cujo activo seja inferior ao passivo.

No que toca à aplicação do regime de falência às instituições financeiras, de acordo com o n.º 5 do art.º 134 da Lei 12/15, de 17 de Junho – De Bases das Instituições Financeiras (a seguir denominado simplesmente por LBIF), convém referir que não se aplicam os regimes gerais relativos aos meios preventivos de declaração de falência previstos no Código Comercial (Ver Nota de Rodapé n.º 2).

Há, por isso, que considerar que vigora um regime especial de decretamento de falência, sendo que compete ao BNA iniciar o mesmo. Entretanto, o início do procedimento é condicionado, conforme resulta do n.º 3 do art.º 142, pela verificação de “risco sério”, por parte de determinada instituição, em não cumprir os requisitos para a manutenção da autorização para o exercício da sua actividade:

(i) Se a mesma tiver reconhecidos prejuízos ou existam fundadas razões para considerar que a, a curto prazo, possa vir a ter prejuízos susceptíveis de consumir o respectivo capital social;

(ii) Se a instituição esteja em situação de insolvência ou existam factos para considerar que, a curto prazo, o possa ficar; e

(iii) Se a instituição tiver impossibilitada de cumprir as suas obrigações, ou existam fundadas razões para considerar que, a curto prazo, o possa ficar.

De acordo com o n.º 1 do art.º 135 da LBIF, para que se proceda à liquidação deve o organismo de supervisão, que no caso é o BNA, revogar a autorização para o exercício da respectivo actividade e solicitar ao Procurador Geral da República que requeira a declaração de falência.

Segue-se o processo nos termos das normas do CPC, com a particularidade de o administrador da massa falida, a ser nomeado pelo juíz da Comarca da sede da instituição em causa, como fixa o n.º 2 do mesmo artigo, vir a ser nomeado sob proposta do BNA.

Feito este enquadramento, importa então analisar se a medida do BNA, em relação ao início do processo de declaração de falência, no que toca aos dois bancos supra referidos está de acordo com o que dispõe a LBIF e as normas do CPC.

Ora, o Aviso n.º 2/18 consagra, no seu art.º 6, que o incumprimento do aumento do capital social, determinado pelo BNA, constitui uma infracção prevista e punível nos termos da LBIF. Verificado o regime de infracções previsto na citada lei constatamos que de acordo com a al b) do art.º 151 a violação de normas relativas à realização do capital social, quanto ao prazo, forma e montante é punida com multa.

A questão que se vai colocar é agora a de saber se ambos os bancos representam um “risco sério” e por isso se enquadram num dos casos previstos no n.º 3 do art.º 142 da LBIF, que já tratamos de explicitar. Estavam insolventes ou na iminência de ficarem?

Embora sejam poucos os dados de que dispomos, parece-nos que os mesmos não se encontram quer numa quer noutra situação. Discutir-se-á, pois, se a não realização do aumento não os colocaria nesta situação. Salvo um melhor entendimento, parece-nos não existirem evidências que tal fosse acontecer.

Porém, isso não quer dizer que não concordamos com a adequação ou aumento do capital social, aliás, corroboramos com a maior parte das críticas que têm sido atribuídas à organização e funcionamento dos bancos angolanos e, de um modo geral, ao próprio sistema financeiro.

Do nosso ponto de vista o regime de liquidação que, publicamente, o BNA refere que lançará mão e está previsto no art.º 135 da LBIF apenas se aplica às situações em que sejam, antes de tudo, adoptadas providências extraordinárias – o que não o caso sobre o qual nos referimos.

E mais, estabelece um pressuposto que é o facto de, mesmo adoptadas tais providências, não ser possível a recuperação da instituição que tiver sido intervencionada.

Em face do exposto e tendo em atenção os dados que foram, publicamente, apresentados para o caso dos dois bancos parece-nos que medida mais acertada seria a punição com uma multa nos termos da al b) do art.º 151 da LBIF que pune a contravenção que consista na violação de normas relativas à realização do capital social.

Notas de Rodapé

(1) Cfr. o nosso artigo “Sobre a admissibilidade de aquisição de quotas sem investimento em sociedade de direito angolano no âmbito de processos de recuperação judicial” em Specialist AO – Dr. Moses Caiaia – Sobre a admissibilidade de aquisição de quotas, sem investimento, em sociedade de direito angolano no âmbito de processos de recuperação judicial

(2) Deve fazer-se interpretação correctiva, uma vez que o Código Comercial angolano não prever qualquer regime de meios preventivos da declaração de falência, mas sim o Código de Processo Civil. É a subsecção II que consagra o referido regime.

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