Specialist AO – Dr. Milton Delo – Os desafios na massificação do uso das TIC em Angola

Embora se registem aumentos significativos nos investimentos em tecnologias de informação e comunicação (TIC), a baixa capacidade de absorção tecnológica por parte da sociedade continua a ser um dos maiores entraves ao processo de crescimento económico no contexto da diversificação da economia em Angola. Hoje, vivemos tempos de desafios maiores e mais complexos.

Dum lado temos uma população que se torna cada vez mais jovem e exigente, e do outro lado temos a apatia social à massificação na aderência ao uso de novas tendências tecnológicas.

Este desenvolvimento descomedido requer o enquadramento do vetusto modelo socioeconómico, tradicionalmente concebido para as especificidades de sociedades condescendentes às exigências dos tempos modernas.

Em conformidade com os resultados do Censo da população de Angola realizado em 2014, cerca de 47,3% da população tem idade inferior a 15 anos, o que em termos teóricos faria de Angola um mercado fértil para a massificação do uso das TIC, posto que estas servem de suporte às actividades comerciais.

Apesar do potencial para a expansão do acesso aos benefícios oferecidos pelas TIC, a análise qualitativa dos aspectos demográficos de Angola permite antever a necessidade de uma visão integrada de modo a maximizar as vantagens desta ferramenta como o motor de crescimento da economia.

Entretanto, uma análise mais profunda permite perceber que o potencial de uso de tecnologia relativamente moderna é muito baixo, em decorrência de diversos factores fundamentais, dentre os quais merecem enfoque particular os seguintes:

EDUCAÇÃO: a taxa de literacia é bastante humilde, já que a proporção da população com 18 ou mais anos que concluiu o II ciclo do ensino secundário (i.e., que concluiu a 12ª ou 13ª classe) é de apenas 13%. Por outro lado a proporção da população com 18 ou mais anos que nunca frequentou a escola ou não concluiu a 6ª classe é de 48%.

Em termos práticos, isso significa que o investimento em meios de comunicação como o computador acabaria por ser uma irracionalidade económica, no sentido de que a taxa de utilizadores capacitados para maximizarem as vantagens deste meio de processamento da informação seria muito inferior ao desejável.

LÍNGUAS FALADAS: 71% da população fala português, no entanto, nas zonas rurais, mais de metade (51%) da população não é falante da língua portuguesa. Desta feita, a massificação do acesso à informação e ao conhecimento teria de passar necessariamente pelo investimento de tempo e recursos (humanos e tecnológicos) de modo a proporcionar o acesso em “línguas bantas”.

ACESSO À ELECTRICIDADE: um lapso comummente associado à análise do uso das TIC consiste na omissão de um factor aparentemente simples, mas que acaba por fazer a diferença e ditar o uso ou não uso de TIC digitais: o acesso à energia eléctrica.

Em Angola, apenas 31,9% da população tem acesso à energia eléctrica da rede pública (50,9% nas áreas urbanas e apenas 2,2% nas zonas rurais). Este factor por si só, resulta na exclusão automática de uma larga fatia dos habitantes no que concerne ao uso de dispositivos electrónicos que funcionam com energia eléctrica.

A congregação dos factores supra permite concluir que a massificação do uso e acesso às TIC só trará benefícios na medida da sua adequação ao grau de preparação da população.

Devido às especificidades dos grupos sociais distribuídos por Angola, o incentivo ao uso das TIC deverá ser feito de modo ajustado às características intrínsecas de cada nicho da população.

Para além da tipologia de comunicação a ser utilizada, o conteúdo dos conhecimentos a serem transferidos também deverá acompanhar as particularidades das regiões e agregados populacionais, devendo para tal priorizar-se temáticas com valor agregado no que toca à utilização prática.

Por fim, para os tecidos populacionais em que a taxa de utilização das TIC mais modernas já é uma constante, o investimento deve ser feito no sentido de incentivar o espírito crítico em relação à informação disponível, a capacidade de discernir quais os conteúdos profícuos e realmente valiosos susceptíveis de serem utilizados para a criação de conhecimento produzido por angolanos e para Angola.

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