Specialist AO – Dr. Moses Caiaia – As garantias jurisdicionais na Lei n.º 10/18, de 26 de Junho (Do Investimento Privado)

Dimana do art.º 46 do Lei n.º 10/18, de 26 de Junho – Do Investimento Privado (adiante designado abreviadamente por “LIP”) que o Estado “garante a todos os investidores privados o acesso aos tribunais angolanos para a defesa dos seus interesses, sendo-lhes assegurado o devido processo legal, protecção e segurança.”

Apesar de ser uma preocupação sempre manifestada nos regimes que vigoraram anteriormente, na nova Lei há um reforço das garantias jurisdicionais que, aliás, emanam da Constituição da República de Angola. O art.º 29 (NR 1) da carta mãe (NR 2) , consagra o princípio do acesso à justiça e tutela jurisdicional efectiva.

A propósito da protecção dos investimentos podemos falar de uma protecção nacional e, também, de uma protecção internacional. Neste artigo trataremos apenas de abordar a protecção na primeira perspectiva, deixando para uma próxima oportunidade uma abordagem em relação à segunda perspectiva.

Assim, convém referir que para além de se poder garantir protecção a nível interno, através dos tribunais judiciais, a LIP admite a possibilidade de se fazer recurso a “(…) métodos alternativos de resolução de conflitos, designadamente, a negociação, a mediação, a conciliação e a arbitragem (…)” considerando que “(…) por lei especial não estejam exclusivamente submetidos a tribunal judicial ou à arbitragem necessária”.

Como se sabe, no comércio o modelo privilegiado para a resolução de litígios não são os tribunais judiciais por serem morosos os processos demoram para serem decididos, o que, tendencialmente, acarreta enormes prejuízos para as empresas, e pela inexperiência que resulta da falta de preparação dos aludidos tribunais em relação às matérias ligadas ao comércio.

Na realidade angolana estas dificuldades são ainda mais evidentes, não obstante a reforma em curso e o esforço que tem sido levado a cabo, pois a falta de confiança no sistema judicial e a inexistência de tribunais especializados para a resolução de litígios no domínio do comércio, fazem com que os investidores, na maioria dos casos, optem por não recorrer aos mesmos.

Ademais, há ainda um entendimento generalizado de que são poucas as possibilidades de o Estado, no âmbito de um processo judicial que esteja a correr num tribunal judicial, possa perder uma causa a favor de um investidor privado. Isto tem a ver com questões históricas e, certamente, levará o seu tempo para ser alterado.

Em face das razões que avançamos, a maior parte dos investidores optam por resolver os litígios através de meios alternativos, com destaque para a via arbitral. Estão associadas várias vantagens a esta opção, sendo que merece destaque a celeridade do processo arbitral e a rapidez com que as partes litigantes, nesta sede, podem obter uma decisão final.

Não é comum os investidores privados recorrerem à mediação e conciliação (3). No que toca à arbitragem, vigora, na ordem jurídica angolana, a Lei n.º 16/03, de 25 de Julho – Da Arbitragem Voluntária.

A LIP em vigor, assinala uma mudança de paradigma em relação aos regimes anteriores, na medida em que eram mais restritivos no que tange ao recurso à arbitragem. Era prática, por exemplo, nos Contratos de Investimento Privado inserir-se uma cláusula a partir da qual o Investidor Privado se comprometia que, em caso de conflito, submeteria e resolveria o mesmo por via da arbitragem tendo em conta o disposto da Lei n.º 16/03.

No actual quadro, em que não vigora o regime contratual (4), não há este compromisso, podendo, por isso, admitir-se que a arbitragem necessária – se for a via que as partes decidam submeter e resolver algum litígio no âmbito do investimento privado – se pautem por regras diferentes em relação as que constam na Lei n.º 16/03. Para além disso, a LIP traz, ainda, um paradigma novo ao admitir a possibilidade de recurso à arbitragem necessária. Parece-nos, especialmente, relevante.

Notas de Rodapé (NR)

(1) De acordo com o art.º 29.º/1 da CRA é assegurado a todos o acesso ao direito e aos Tribunais para defesa dos seus direitos e interesses legalmente protegidos, não podendo a justiça ser denegada por insuficiência dos meios económicos.

(2)  É uma das expressões que também se usa para denominar uma Constituição. Vd. Nota 1 no site https://pt.wikipedia.org/wiki/Constituição.

(3)  Quer a mediação como a conciliação encontram o seu regime jurídico na Lei n.º 12/16, de 12 de Agosto – Da Mediação de Conflitos e Conciliação.

(4)  Sobre a não consagração de um regime contratual na actual Lei do Investimento Privado, veja-se aque em Sprecialist AO.

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