Angola: “Estado da Utopia” de João Lourenço aquém das expetativas

Cerca de dois anos depois de assumir o poder, o Governo angolano não avançou o suficiente no combate à corrupção, dizem o escritor José Eduardo Agualusa e o ativista Luaty Beirão, num debate em Lisboa.

Se o desempenho do chefe de Estado angolano fica aquém das promessas eleitorais, sobretudo no que diz respeito à corrupção, também a oposição tem culpas no cartório: “Não tem sabido explorar as fraquezas do regime”, diz o escritor angolano José Eduardo Agualusa, que participou esta segunda-feira (22.07) com o ativista Luaty Beirão num debate em Lisboa sobre o “Estado da Utopia” em Angola.

Para o rapper angolano, há, no entanto, alguns avanços, como as conquistas no que toca ao direito à liberdade de expressão e de manifestação. Ambos consideram que a repressão diminuiu e o medo desapareceu.

Mas a verdade é que “a situação ainda não é perfeita”, frisa Agualusa, fazendo uma avaliação crítica do Estado da Nação angolana, cerca de dois anos depois da eleição de João Lourenço, substituto de José Eduardo dos Santos – que ficou 39 anos no poder.

Um dos grandes desafios, diz o escritor angolano, “é o da despartidarização do Estado. Não foi feito nada”. Mas não é o único setor estagnado: “A questão das autárquicas também não está a avançar como devia e mesmo na questão da corrupção não tenho a certeza. Acho que ficamos a meio daquilo que foi prometido. Então, estamos aquém”.

Mais liberdade, menos medo

A “imprensa ainda é manietada”, mas Agualusa considera que “não se está mal” no que toca à liberdade de expressão. O jornalismo ligado ao aparelho de Estado é mais aberto e “há mais liberdade”. No entanto, “a justiça ainda é duvidosa e ainda há casos de pessoas presas injustamente. O escritor angolano reforça, entretanto, que o “medo desapareceu ou mudou de lugar, no sentido de que há mais medo agora dentro do próprio MPLA, do que na oposição”.

“Os grandes inimigos do atual Presidente não estão na oposição, não estão fora. Estão dentro do partido, disso não há dúvida nenhuma”, diz Agualusa. O balanço não é positivo do lado da oposição, sustenta o escritor, porque ela “está dividida, confusa”.

Reconhecendo o que melhorou, o ativista angolano, Luaty Beirão aplaude as mudanças e diz que é preciso muita cautela na avaliação desta “nova era” com as mesmas pessoas no poder. Realça, por exemplo, que existe hoje “uma grande abertura” no que toca à liberdade de expressão, de reunião e de manifestação.

“Continuam a ser pouco concorridas, continua a haver pouca gente e agora o que mudou é que, ao invés de serem todas reprimidas como era antigamente, a repressão diminuiu de vários tons. Há um degradé muito grande no nível de repressão que era empregue. Portanto, há coisas que, sinceramente, são diferentes”, admite.

Passos atrás na luta contra a corrupção

No entanto, para o rapper angolano, “há um retrocesso” no que toca ao combate à corrupção, considerado a linha de força do Governo de João Lourenço.

“Existe pelo menos um freio muito grande, muito óbvio, muito visível. Houve uma altura ali em que estava toda a gente a ser indiciada, a ser pronunciada ou pelo menos detida e os casos vinham a público de quem estava a ser investigado, sobre que crimes, e há uns meses que isso parou”, lamenta o ativista. “Nós temos agora um caso com julgamento em curso, que é o do Augusto Tomás, mas de resto são tudo passos atrás”.

Luaty Beirão critica a ausência de acusação contra o empresário suíço-angolano Jean-Claude Bastos de Morais e lamenta a diminuição das medidas de coação sobre José Filomeno dos Santos “Zenu”, ex-presidente do Conselho de Administração do Fundo Soberano de Angola (FSDA), que já pode sair do país.

E há ainda o caso do deputado Manuel Vicente, ex-vice presidente de Angola, no qual, lembra “ainda não se tocou e, segundo o ministro das Relações Exteriores [Manuel Augusto], isso é um caso para ser arquivado”.

Outro aspeto relevante em Angola, na análise de José Eduardo Agualusa, tem a ver com a sofisticação da sociedade civil, que está agora mais reivindicativa, “porque está descontente com a situação”. “O que eu acredito é nesta sociedade civil. Acho que a sociedade civil não pode adormecer”, diz o escritor angolano.

Publicação da autoria de Fonte Externa:
DW
23/07/2019

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