Economista e empresário Lago de Carvalho discordados moldes do acordo de Angola com o Fundo MonetárioInternacional (FMI) e Banco Mundial (BM), alegando que estas instituiçãoes apenas pretendem levar o País à recessão. E vê Angola sem um rumo definido.
Com a medida de o Executivo privatizar 195 empresas, podemos afirmar que. finalmente. Teremos uma economia liberal?
É difícil dizer, porque estamos a cumprir um programa imposto pelo FMI. Infelizmente, não estamos a ser capazes de, minimamente, dialogar de uma forma equilibrada. O FMI e o Banco Mundial estão a empurrar-nos para o desastre e nós estamos a ir.
Porquê?
Porque é política do FMI e BM levarem os países a uma situação de recessão mais difícil do que tinham – e isto vem acontecendo em todos os países pobres. Toda a América Latina foi vítima disso, os países africanos também, achando que estamos a cumprir linhas muito correctas, quando estamos a afundar os países. Estamos em crise não só por causa do petróleo, mas também por causa das políticas que estamos a seguir, que são recessivas e levam à redução do PIB.
Na redução do PIB, cada vez mais, paga-se menos salário, menos remunerações internas e torna-se mais difícil pagar a dívida externa. Como estamos a aceitar cumprir rigorosamente o que o FMI diz, o caminho vai ser esse até acordarmos.
É sempre assim?
Portugal é exemplo disso. Resolveu entrar num programa de austeridade imposto pela União Europeia (UE), FMI e BM, e só ‘não é nada disso, vamos mudar, não vou continuar a reduzir salários, nem a aumentar impostos, nem a sacrificar quem menos ganha’ é que o país começou a renascer e a equilibrar-se economicamente.
Se não temos coragem de afrontar o FMI e o BM, não vamos a lado nenhum.
Depois destes argumentos, tudo o que tem sido abordado entre Angola e o FMI cai por terra?
Não cai por terra. É que, para mim, é uma política errada. A política de privatização que está a ser empurrada é uma política à americana. Os americanos é que acham que a economia só pode ser privada, o Estado não pode intervir, nem dar saúde e escolas públicas à população. A Europa tem uma política diferente, tem uma visão social do papel do Estado em que há determinadas funções que este tem que cumprir. Uma delas é a saúde, a outra é a educação. Nós vamos privatizar tudo.
É preciso ver se temos condições para privatizar, mas não temos.
Na mesma Europa onde diz haver melhores políticas, diz ao mesmo tempo que Portugal teve que recuar. Porque estava a ser empurrado exactamente pelo FMI e o BM. Em Portugal aconteceram muitas privatizações.
Hoje reconhece-se que foram erradas e precipitadas. É evidente que o Estado tem aqui coisas onde não deveria ter posto dinheiro e deve passá-las para o privado. O problema é que não temos uma classe empresarial com poder para comprar todo o património que está a ser posto à venda. Não existe nem dinheiro, nem capacidade de gestão.
A Sonangol vai deixar de ser pau para toda obra…
Como diria um amigo, a Sonangol só não tem uma casa funerária. Mas isso foi um erro de gestão que só se justificou por interesses pessoais. A Sonangol assumiu tantas coisa na prestação de serviço que acabou por estrangular a actividade económica, e isso foi completamente errado.
Há coisas que nem vinham nos relatórios e contas: a aquisição de hotéis e outros empreendimentos…
Não sei, nunca li o relatório.
Por que não lê, sendo um ex-funcionário que até ocupou funções importantes na empresa?
Porque sei que aquilo é tudo manipulado. Tenho o mesmo problema com o Orçamento Geral do Estado (OGE). A única coisa certa que se sabe é que não vai ser cumprido. Nunca foi. Se o OGE tivesse sido elaborado a dizer que Luanda tem 100 mil Kz, Huambo tem 50 mil Kz, eu ponho dinheiro e o governador é que gere o dinheiro, tudo muito bem, mas não. Há um senhor que se chama ministro das Finanças que gere o dinheiro, decide se autoriza ou não.
Continuamos a propor projectos que não têm nenhuma sustentação, que nos vão criar enormes problemas no futuro e que são apresentados como projectos que têm que ser feitos.
O Programa Integrado de Intervenção nos Municípios (PIIM), por exemplo?
Depende de como será feito. Se for como o Nosso Super, não vai servir para nada. Onde está o dinheiro do Nosso Super? Tem noção de quanto é que aquilo custou? São muitas centenas de milhões de dólares. E as lojas fecharam, porque aquilo faliu e o dinheiro foi para o bolso de alguém. O PIIM tinha que ter sucesso e só tem uma forma de o ter. Para dar um exemplo próximo: os munícipes é que deveriam dizer o que é prioritário e controlar como seria feito e a quem seria adjudicada a obra. Porque se é outra entidade a controlar e que não tem ligação com o sítio, não vai acontecer.
Vai adquirir algumas das empresas a privatizar?
Vou olhar para algumas, mas só do sector dos petróleos, onde estou. Sei que, muitas delas, o Estado não tem condição de as vender, porque simplesmente as participaçõessão indirectas, via Sonangol, e numa sociedade por quotas a prioridade recai sobre o sócio, que não a quer vender. O sócio que quer vender, tem que dar ao outro para comprar. Quem está de fora não tem condição de lá chegar. Tem que haver motivos muito bons para vender. Na minha opinião, algumas dessas empresas não são possíveis de serem vendidas.
Por que razão?
Eu passaria primeiro essas participações para uma outra empresa, fora da Sonangol, que tomava conta desses interesses, e depois, caso a caso, decidiria o que fazer. Não faço ideia se essas empresas ganham ou não dinheiro, se pagam dividendos ao Estado, nem faço ideia do património que têm. Sei que algumas não têm sequer razão de existir, porque foram criadas com o benefício de um monopólio e só sobreviveram por isso. Sem esse monopólio, essas empresas não têm hipótese, morrem.
Não encontra nenhuma virtude nesta relação com o FMI?
Só encontraria virtude se o FMI fosse capaz de negociar ou discutir com o Estado uma redução das despesas ou dos custos do OGE. Temos um aparelho de Estado que não é sustentável, que só existe porque tem receitas do petróleo.
A economia não petrolífera não tem como sustentar este aparelho: o número de funcionários, a dimensão do Executivo, etc.. O País tem que reajustar toda a máquina administrativa. Se a economia não consegue suportar o aparelho de Estado, vai estar-se sempre a perder dinheiro. Atenção que não sou eu que estou a dizer. A senhora Cristine Lagard, que acabou de sair do FMI para ser presidente do Banco Central Europeu, reconheceu que as medidas restritivas que aplicadas a alguns países da Europa, foram erradas.
Se o próprio pessoal do FMI é capaz de reconhecer que as políticas foram erradas, por que é que nós como países as aceitamos?
Por subserviência aos países ricos. E não podemos ser subservientes, nunca fomos e nunca deveríamos ser.
Diz-se que o País foi subserviente na cooperação com a China…
Não foi subserviente. Aquilo foi um negócio montado por quem podia do nosso lado – e do lado chinês. Que nem beneficiou a mão-de-obra nacional. Não é só a mão-de-obra. Não beneficiou o País todo.
Não significa isso subserviência?
Subserviência é seguir uma política que nos é imposta. Com o chinês, nós pedimos dinheiro, ele emprestou, em troca de equipamentos. Mas também trouxe pessoas. Também trouxe, mas também recebeu de volta. Tudo o que é linha de crédito e cooperação tem esse problema. Eu, com o FMI, não concordo que se aceite tudo oque eles querem. Temos que ter capacidade de negociar algumas coisas.
Não será que o País continua a cometer o mesmo erro? Até os motorista que transportavam as britas eram chineses…
Você viu, não viu? Ou é tão novo assim que não os viu pelas ruas a conduzir as viaturas? Claro que os viu. Iam a todas as obras. Andaram aí a reparar passeios. No entanto, falimos uma série de empresas angolanas que andavam a reparar passeios na cidade.
Qual seria o melhor caminho?
Não ficar cativo de uma só fonte. E a única fonte que nos impõe regras que parecem absolutamente erradas é o FMI. O chinês não impôs nada.
O chinês impôs alguma política do ponto de vista económico? A questão dos recursos humanos?
Tudo bem, mas nisso fomos nós que tivemos culpa. Como é que foi feita aZona Económica Especial?
Alguém foi à China e encomendou, disse “quero uma fábrica destas, uma daquelas e outra daquelas, ponham na linha de crédito e mantenham em Luanda”?
O equipamento veio e ficou podre dentro das fábricas. Houve crime nisso. As pessoas que negociaram com a China, negociaram por interesses pessoais. Posso dizer que não há nenhum negócio desses com a China que me pareça sério. Agora, vou perguntar o seguinte: Quem é que pagou a Cidade da China que existe ali na Via Expresso? Acha que foram os chineses? Não acha que foi a linha de crédito com a China? Eu gostava que fossem lá ver como aquilo foi construído e como estamos a pagar muita coisa de que não beneficiamos.
É por falta de fiscalização? O problema não é a fiscalização. Visão?
Visão, não houve. Houve interesses económicos que fizeram com que esse dinheiro fosse beneficiar os bolsos de certas pessoas.
A respeito dos americanos, não identifica neles boas intenções?
A única coisa em que os americanos pensam é no poder deles no mundo. Por isso é que, quando se diz que vamos melhorar as nossas relações, pergunto se é com quem. Nós precisamos de boas relações com Europa, mas também com todos os países da zona Sul. Nós pertencemos aos países pobres, aos do Sul, precisamos de ter boas relações com a China, Índia, África do Sul, Brasil, Rússia, que são países que têm peso e os únicos que podem também apoiar-nos.
Mas Angola tem buscado dinheiro por todo o lado. Tem ido, sim senhor, mas vai tanto menos quanto mais difícil for a sua situação económica – e a situação económica está a agravar-se pelas políticas que estamos a adoptar.
O FMI disse que deu a Angola um valor que raramente cede. A Europa está a dar-nos mais. Só o Deutsche Bank está a dar-nos mais ou quase o mesmo que o FMI. Os financiamentos que temos tido da China são muito maiores. Um país como o nosso tem de ir buscar vantagem a toda a gente, não pode ficar dependente daqueles senhores. Depois, a outra questão que se põe é que esses senhores são inimigos de tudo o resto.
Se a relação com o FMI é dos pontos mais altos da nova governação, pelo menos nos actuais moldes, pode dizer-se que está a fazer balanço negativo à gestão do novo Executivo?
Acho que o Presidente da República não tem conhecimentos económicos para ser ele sozinho a ir por este caminho. Existe uma equipa económica neste País que está levá-lo para o ‘buraco’. São meus amigos e conhecidos, mas estão a levarnos para o ‘buraco’. Você tem amigos que fazem asneiras, não tem? Pronto!
Mas o País tem várias frentes, tem agora um ‘símbolo’ que resultou do combate à corrupção, que é o ex-ministro dos Transportes.
Não quero pessoalizar. Você conhece – e o mundo conhece – uma lista de pessoas que desviaram descaradamente dinheiro do Estado e estamos a querer fazer um processo judicial muito correcto: juntar as provas, fazer acusação, um julgamento de meses, etc.. Muitos desses casos mereciam julgamento sumário.
Não é necessário juntar provas?
Não preciso de provar que determinada pessoa roubou mil milhões de dólares ou quatro mil milhões, basta que tenha roubado 500 milhões para ele já não ter mais que esperar para provar o resto. Há um conjunto de pessoas neste País que tem que ter julgamento sumário. A máquina judicial não tem capacidade para agarrar o descalabro que aconteceu.
Não sei se estão a inventariar o desvio de dinheiro, mas cada vez que você toca num assunto, vem um monte deles atrás, iguais ou piores. O problema da luta contra a corrupção é que, primeiro, tem que se resolver este passado – e esse passado tem que ser resolvido com alguma rapidez, já se passaram dois anos depois da eleição do Presidente. Sei que muita coisa foi feita e o espírito será diferente. Mas continuamos a ter muita gente a roubar dinheiro do OGE em contratos públicos, adjudicações directas, continua a haver.
Como consubstancia esta afirmação?
Você vê, você sabe. Olha para o OGE, é muito engraçado, são só números. O problema é como é que vai ser usado. Há adjudicações directas que não se admitem,e dou-lhe um exemplo: não é possível gastar 175 milhões de dólares a reparar 300 quilómetros de estrada. Nem estou a falar de construção, porque no tempo dos chineses e da confusão, era um milhão de dólares por quilómetro.
Construir estrada nova. Assim, não pode. Há que verificar como é que essas despesas foram feitas. Há algum controlo sobre a importação dos preços de medicamentos?
Você tem a noção do preço que paga com os medicamentos comprados com o preço da Europa e da África do Sul, o mesmo medicamento? Você tem medicamentos aqui que custam dez vezes mais do que numa farmácia em Lisboa. Não é possível, isso é roubo. E ainda estamos a falar em farmácias privadas. Agora, vá ver a que preços é que os medicamentos estão a ser importados para o Estado, quer para o fornecimentos às Forças Armadas, quer para a polícia ou os hospitais.
É contra a implementação do IVA?
Acho que o IVA pode resolver alguns problemas, só que não temos máquina administrativa para isso. Nas empresas, andamos a gastar um monte de dinheiro com consultores e sistemas informáticos novos para conseguir corresponder ao IVA. E o IVA vai acabar por aplicar-se em meia dúzia de empresas, porque as outras não têm condição.
O que prevê?
Estou a prever que algumas das minhas empresas vão fechar. Estou num sector em que não consigo recuperar o IVA, os atrasos de pagamento das facturas são muito grandes. Três a quatro meses, mas tenho de entregar o IVA no dia seguinte, de dinheiro que ainda não recebi. Não tenho dinheiro para isso.
Não há espaço para negociação?
Estas coisas todas já foram explicadas. O pessoal do IVA não quer ouvir. E, como não querem ouvir, estão a impor. Confundem a economia com supermercado.
Eu compreendo que o supermercado recebe no mesmo dia, no caixa, logo, pode entregar. Mas o resto da economia não funciona assim. Você acha que as empresas todas de construção recebem no mesmo dia que vendem? Se for o Estado a pagar, faz um ano. O único mecanismo que ficou na lei é que, se o Estado não pagar, eu não tenho que entregar o IVA. E quem não trabalha para o Estado? Quem trabalha no sector dos petróleos, que no mínimo são 90 dias para pagar? Vou estar a financiar o Estado?
Voltou à questão anterior. Não será que falta controlo e fiscalização?
Claro que faltam mecanismos de fiscalização e de controlo, e faltam pessoas com peso moral e ética para isso.
O grande problema é que, cada vez que faz um programa bonito, dá conta que a rede que toma conta desse programa está completamente rota. A única coisa que fazem é ver como é que vão retirar algum para si. Infelizmente, é a situação que temos. Eu não gostava que fosse assim, mas é. É preciso, do ponto de vista da corrupção, ser mais acutilante. Há pessoas que têm um património de tal maneira colossal que não tem nada a ver com alguma actividade que alguma vez tenham tido. Esse tipo pessoas tem que ser indagado rapidamente.
Publicação da autoria de Fonte Externa:
AngoNotícias/Jornal Vanguarda
26/08/2019