Specialist AO – Dr. Moses Caiaia – Sobre a exigência de Visto para o registo dos representantes legais das sociedades comerciais e sucursais em Angola

Através do presente artigo pretendemos reflectir em torno de um caso, de entre os vários que já se verificaram, sobre uma discussão que tem sido suscitada a respeito da exigência de Visto, atribuída à Conservatória do Registo Comercial (a seguir designada somente “CRC”), o registo de representantes legais das sociedades comerciais e sucursais.

A nossa abordagem, que com certeza não esgota a atenção que o assunto merece, visa reflectir em torno dos problemas, de ordem pratica, que tal exigência convoca, bem como as implicações ou contornos para a actividade comercial no actual contexto.

O caso é o seguinte:

A sociedade A, de direito estrangeiro, pretende desenvolver um projecto de investimento privado em Angola através de uma sucursal. Para o efeito, requereu junto da CRC o registo da citada sucursal, porém, viu o pedido recusado com fundamento no facto da pessoa que se pretende indicar como Representante legal da aludida sucursal uma pessoa estrangeira que não se encontra em Angola.

Sobre a decisão foi apresentada reclamação. A CRC reiterou a decisão e acrescentou que o Conservador, por exercer a função fiscalizadora da Lei deve, quando lhe é solicitado um acto relativo a sociedades, ter em atenção o princípio da legalidade. O mesmo é dizer, como esclarece a Conservatória, o Conservador só pode praticar actos que a lei estabelece e nas condições que não acarrete nenhuma proibição, pois nesta situação se deve ter em conta a sobreposição do direito publico ao direito privado.

O caso em análise suscita dois problemas interessantes. O primeiro prende-se com a questão de saber se o facto da nomeação de um representante societário ser um acto sujeito a registo, nos termos da al. d) do art. 3.º do Código de Registo Comercial (aprovado pelo Decreto Lei n.º 42644), combinado com as alterações introduzidas pela Lei.º 1/97 (que simplifica e moderniza os Registos Predial, Comercial e Serviço Notarial), pode justificar a decisão da CRC.

Antes de nos pronunciarmos sobre esta questão em concreto, não temos dúvidas que o tema convoca, conforme reflecte a decisão da Conservatória sobre a reclamação, um problema de direito privado e direito público, porquanto compete aos sócios escolherem livremente os representantes societários. Neste sentido, apesar da autonomia que têm e de não vigorar na ordem jurídica angolana uma obrigatoriedade – pelo menos directa – em relação ao registo, ao Conservador assiste a obediência ao princípio da legalidade quer numa perspectiva formal quer numa perspectiva substancial.

A sujeição que o CRC prevê, no caso dos representantes das sociedades, visa assegurar a certeza e a segurança jurídica. Tais fins relevam, especialmente, para o comércio na medida em que se assim não fosse a confiança, por parte dos sujeitos que intervêm na actividade comercial, poderia ser reduzida, o que certamente influenciaria negativamente no desenvolvimento de novos negócios.

Um segundo problema, que o caso em referência suscita, é o de saber se aos representantes societários, não havendo um tipo específico de Visto na Lei n.º 13/19, de 23 de Maio (diploma que aprova o Regime Jurídico dos Cidadãos Estrangeiros na República de Angola), poder-se-á aplicar, como alguns defendem, o regime do Visto de Trabalho previsto no art.º 55 do citado diploma.

A busca de uma resposta para esta questão leva-nos para uma outra discussão, clássica no Direito de trabalho, e que se prende com a questão de saber a natureza jurídica da relação que se estabelece entre os representantes societários e as sociedades.  Embora não pretendamos delongar uma abordagem a respeito deste tema, porque não é o que nos propomos a abordar com este estudo, não nos parece restarem dúvidas de que a relação em causa não se reporta a um contrato de trabalho, dada a liberdade que é assistida aos gerentes societários.

O aludido art.º 55 é claro ao definir que a referida tipologia de visto “(…) destina-se a permitir a entrada em território angolano ao seu titular, a fim de nele exercer actividade profissional remunerada”.

A definição de uma solução concreta para a situação sobre a qual o presente artigo se debruça deve constituir uma verdadeira preocupação. Com o devido respeito por quem tem um entendimento diferente, não nos parece que se compagina com os desafios que se colocam em relação à atracção de investimento estrangeiro, nem com a dinâmica – como já tivemos a oportunidade de aludir – da actividade comercial. Cada vez mais a actividade gestória pressupõe a presença física de quem tem responsabilidades neste sentido e é deveras importante que o quadro legal acompanhe esta evolução sem, obviamente, pôr em causa a certeza e a segurança jurídica.

Defendemos, por isso, que deve haver a preocupação de regular esta realidade, permitindo que o registo dos representantes de sociedades comerciais e sucursais possa ser feito, admitindo que, no limite, se condicione a prática de determinados actos mediante a verificação de uma situação migratória regular.

As restrições às relações de direito privado devem colocar-se nos casos em que só possa colocar em causa o interesse público.

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