Através do presente artigo, pretendemos reflectir em torno de algumas incidências da Lei n. º 10/18, de 26 de Junho – Do Investimento Privado (adiante designada abreviadamente por “LIP”) e que, em nosso entender, mitigam ou anulam a autonomia privada dos sócios das sociedades-veículos de projectos de investimento privado.
Como ponto prévio, queremos deixar claro que o aludido quadro é, fundamentalmente, formado por um conjunto de normas de Direito Público, sendo que com se visa, de um modo geral, com a aprovação do mesmo, a captação de investimentos a fim de fazer face à necessidade de desenvolvimento económico e social. Há portanto aqui um interesse público.
Este mesmo interesse não é, certamente, pelo menos num perspetiva primacial, o que pretende o investidor privado, pois ao alocar, transferir ou importar recursos (sejam eles dinheiro, máquinas ou conhecimento que constitui “mais valia”) pretende ter um ganho. Em nosso entender é o lucro.
Para iniciar, embora não seja a única via, o investidor procede à constituição de uma sociedade comercial. Esta rege-se, para além do grupo de normas já referidas, por outras de Direito Privado.
O alinhamento entre os dois grupos de normas, que nem sempre é fácil, pode dar origem a situações de sobreposição e de conflitos. Todavia, reconhecemos, desde já, a relevância da LIP, pois temos que considerar, neste discussão, os clássicos critérios de distinção dos dois ramos do Direito.
Decorre da LIP que a constituição das sociedades-veículos de projectos de investimento privado é prévia ao registo dos projectos de investimento junto da Agência de Investimento Privado e Exportações de Angola (também conhecida por “AIPEX), órgão competente para o efeito.
Neste sentido, as pessoas que decidem constituir uma sociedade comercial (assumindo que estejamos no caso de um sociedade pluripessoal) devem celebar um Contrato, cumprir determinadas obrigações, sendo que, como contrapartida passam a ser titulares participaçes sociais como contrapartida. Este contrato, típico, tem o conteúdo previsto no art. º 10 da Lei 1/04, de 13 de Fevereiro – Das Sociedades Comerciais.
Posto isso, suponhamos que três pessoas tenham decidido constituir uma sociedade para por meio dela executar um projecto de investimento privado. Ambos comprometem-se a investir, para objectivar o projecto, USD 1.000.000, 00. Para o efeito comprometem-se, junto do Estado, em recorrer a prestações suplementares, porém, o Contrato de Sociedade não prevê qualquer cláusula a respeito.
Na sequência é declarada a aludida modalidade de financiamento e inserida, pela AIPEX, no Certificado de Realização de Investimento Privado. Sucede que, no momento da sociedade exigir a realização da obrigação, um dos sócios manifesta a sua discordância em relação ao valor da sua prestação e condiciona, se não lhe for permitido um valor abaixo do que está a exigir, a permanência na sociedade e a consequente transferência da sua parte para a realização total do investimento.
Esta hipótese, aparentemente simples, pode suscitar um conjunto de problemas. Alguns típicos do direito societário e outros que relacionam aqueles com a LIP. No plano do direito societário, poderia, entre outras questões, discutir-se se a não previsibilidade no Contrato de Sociedade e a não fixação do momento de chamamento e do valor da obrigação poderiam ser invocados como causa para incumprimento.
No segundo plano, em que se podem relacionar questões típicas do direito societário em relação à LIP, colocar-se-ão, igualmente, várias questoes. Trataremos apenas de discorrer, sobre duas.
A primeira será a de saber se a posição do sócio que reclama que a exigência de tal obrigatoriedade não estar prevista no Contrato de Sociedade pode vincular o Estado face ao facto de ser a referida forma de financiamento que consta no CRIP. Para sermos mais precisos, diríamos que a questão principal, neste caso, é: o sócio pode invocar a não realização com fundamento na não previsibilidade no Contrato de Sociedade.
Em resposta e embora reconheçamos a publicidade que o Contrato de Sociedade assume com o registo comercial, mesmo em relação a terceiros, parece-nos que não invocar tal fundamento para incumprimento, pois a previsibilidade, ou não, incumbia aos sócios. O mesmo entendimento vale em relação à declaração no acto de registo do projecto de investimento privado.
A segunda questão que se poderá colocar prende-se com a necessidade de se aferir, considerando as disposições da LIP, como responsabilizar o sócio pelo incumprimento da sua obrigação uma vez que a mesma dá origem a não realização do investimento. Será possível tal responsabilização?
Antes de respondermos, convém considerar que, de acordo com o regime previsto na LSC, a consequência pelo incumprimento definitivo da obrigação de prestações suplementares é a exclusão da sociedade. (art. º 234)
Ora, para a segunda questão a resposta é, igualmente, negativa, pois, em nosso entender, a responsabilizacão deverá recair sobre o projecto, pelo que já aludimos quando nos debruçamos em relação à primeira questão e pelos problemas de ordem prática que se podem suscitar. Aliás, a regra no que tange à as obrigações comerciais é a solidariedade.
Admitimos, entretanto, que num plano interno os sócios possam decidir de acordo com a LSC, os Estatutos da sociedade e outros instrumentos normativos que, eventualmente.