Nota prévia: Sempre que a indicação legal não revele a fonte, trata-se de um artigo da Lei n.º 10/18, de 26 de Junho – Do Investimento Privado (a seguir designado somente por “LIP”).
A aplicação do regime previsto na LIP, em vigor, aos projectos aprovados ao abrigo de regimes anteriores, convoca algumas questões específicas e com muita relevância do ponto de vista práctico. Assim, através do presente artigo, iremos debruçar-nos sobre algumas destas questões, bem como as soluções que em sede de casos concretos têm sido adoptadas ainda que se discuta a bondade das mesmas.
O aludido regime vem previsto no art.º 49. Por questões de economia de tempo e objectividade, apenas merecerão a nossa atenção, por serem as que mais problemas suscitam, as normas previstas nos n.ºs 1 e 2 do mesmo artigo.
De acordo com o citado n.º 1, a LIP e o seu regulamento “(…) não se aplicam aos Projectos de Investimento aprovados antes da sua entrada em vigor, continuando estes, até ao termo da sua implementação, a serem regidos pelas disposições da legislação e dos termos ou contratos específicos, com base nos quais a autorização foi concedida.” A primeira conclusão que se pode extrair da norma, a contrário sensu, tem a ver com o facto de ambos os diplomas referidos só se aplicarem para os projectos que sejam aprovados a partir da data da sua entrada e vigor.
A segunda conclusão reside no facto de que aos projectos de investimento aprovados antes da entrada em vigor de tais diplomas estes também se lhes podem aplicar. No entanto, para estes casos, é fixado um critério.
O aludido critério, determinante para se aferir até que momento a legislação que esteve na base da autorização do projecto continua a ser a aplicável ao mesmo, consiste no termo da implementação do projecto, o que altera, de modo significativo, qualquer interpretação que se queira fazer sobre o regime a aplicar em sede de um caso concreto.
Ao referir-se “(…) até ao termo da sua implementação (…)” (itálico nosso), o legislador impõe ao intérprete-aplicador que recorra, antes de tudo, ao conceito de implementação para efeitos da LIP. Ora, apesar do citado diploma não o prever, a prática nos termos permitido concluir que em momento algum o mesmo se confunde com a realização do projecto.
A implementação é muito mais do que isso. Implica a componente física do projecto e não a mera alocação ou transferência de recursos (dinheiro ou equipamento).
Daqui decorre que, por exemplo, se determinado investidor assume o compromisso de desenvolver um projecto industrial só se poder atestar a sua implementação através de constatação, não se devendo, por isso, limitar-se à verificação dos procedimentos que comprovem a realização do valor para o investimento[1], emitida pela instituição bancária que viabilizou tal operação, ou das facturas e outros documentos que confirmem à importação das máquinas aprovadas para o referido projecto. Aliás, vários são os casos em que, efectivamente, os recursos são transferidos para o Angola, porém, não são aplicados para o projecto aprovado, daí o legislador punir – no âmbito das transgressões à LIP – estas práticas.
À Agência de Investimento Privado e Promoção das Exportações (AIPEX), enquanto órgão gestor da política de investimento privado, compete, assim, no âmbito das responsabilidades de acompanhamento e fiscalização que lhe são acometidas, atestar a implementação nos termos aprovados, sendo que, em caso de incumprimento, o citado órgão deve iniciar o procedimento administrativo adequado para sancionar os transgressores de acordo com a Lei. Isto, apesar do citado diploma referir-se, no âmbito das transgressões, à não realização e não em relação à falta de implementação, pois, nesta sede o conceito ganha um sentido lato.
Uma questão controvertida, ainda no âmbito do que vem previsto no n.º 1 do art.º 49, tem a ver com a implementação dos projectos que pressupõem investimentos internos, na medida em que a sua comprovação nem sempre é possível nos mesmos termos em que se verifica em relação ao investimento externo. Mais, a respeito deste tema, iremos abordar de forma desenvolvida num próximo artigo.
Se a partir do n.º 1 do art.º 49 podemos concluir que em relação aos projectos aprovados na vigência de uma LIP anterior, desde que estejam implementados, a submissão ao novo regime é oper legis, a verdade é que o n.º 2 do mesmo artigo também permite a submissão, ao mesmo regime, dos projectos não implementados, todavia, em relação a estes os seus representantes devem requerer a submissão formal à AIPEX.
De acordo com o referido n.º 2, o disposto no n.º 1 “(…) não se aplica aos investidores privados que requeiram expressamente a submissão dos seus projectos, já aprovados, ao regime estabelecido na presente Lei.”
Do ponto de vista prático esta redacção, como nos é dada, tem suscitado várias questões. Trataremos, a seguir e tendo em atenção situação fácticas, de apenas duas.
A primeira questão que se pode suscitar é: diante de um projecto de investimento de aprovado em 2013, na vigência da revogada Lei n.º 20/11, de 20 de Maio (revogada pela Lei n.º 14/15, de 11 de Agosto) cujo investimento, de 1.000.000, 00 USD, não tenha sido realizado, pode ser aceite a sua submissão ao novo regime que não prevê qualquer valor mínimo?
Aparentemente simples, salvo melhor entendimento, a resposta a esta questão exige de quem tem que analisar o pedido alguma ponderação. Isto mesmo sem que a Lei recomende, pelo menos, se nos atermos à sua letra.
Explicamo-nos melhor. Na busca de uma resposta, julgamos que deve ser ponderada a justificação que fundou a não realização e se o investidor comunicou, oportunamente, ao órgão gestor do investimento tal justificação. Assim, se se concluir que a justificação atende a uma situação de força maior (prevista no Contrato de Investimento Privado celebrado entre o investidor privado e Estado, pois na vigência revogada Lei n.º 20/11, o regime contratual era o único do ponto de vista processual) e que terá havido a comunicação devida, parece-nos ser aceitável a submissão sem quaisquer problemas. De contrário, entendemos a solução deve passar por sancionar o investidor privado e só em seguida aceitar-se a submissão ao regime actual.
Agora e num outro caso, suponhamos que determinado investidor privado viu o seu projecto de investimento privado, no valor de 1.000.000, 00 USD, aprovado em 2017 e pretende proceder à redução para 100.000, 00 USD. Será aceitável?
Ora, embora não nos caiba decidir a respeito, parece-nos que e sem prejuízo da ponderação sobre a verificação ou não das condições referidas no ponto anterior, uma resposta afirmativa deverá considerar a proporcionalidade ou adequação entre o valor e o objecto do projecto.
É verdade que, como deve ser, o actual paradigma do investimento privado assenta na ideia de maior celeridade de processos e transferência exclusiva do risco ao investidor privado. Só isso justifica que, ao contrário do que vinha previsto nos regimes anteriores, não se exija um Estudo de Viabilidade Económico-Financeira na submissão dos pedidos de registo dos projectos de investimento.
Entretanto, se considerarmos que, até à aprovação do projecto, em 2017, havia um ritual ou processo negocial, que implicava à análise jurídica e económica dos projectos, o mesmo deve ser considerado no caso de ter que se analisar um pedido de redução nos termos formulados na hipótese que apresentamos. Aliás, mesmo o regime actual, apesar de não pressupor uma avaliação como tal, parece-nos que ao impor à AIPEX o dever de indeferir o registo de projectos que não sejam viáveis do ponto de vista económico, financeiro e material, o legislador quer salvaguardar que em qualquer dos casos (projectos novos ou reduções) a adequação esteja presente.
No fundo, entendemos que uma eventual aceitação de um pedido de submissão, deve atender à análise que é feita no caso de submissão de um projecto novo. Se houver manifesta redução do valor, também deverá o investidor privado proceder à adequação do objecto.
Comparando as duas hipóteses e as questões suscitadas em sede de cada uma delas, podemos concluir, reiterando, que qualquer submissão ao actual quadro legal, que inegavelmente consagra um regime mais favorável, deve ser antecedido de uma análise casuística, apesar de a Lei prever tal admissibilidade.
Uma última questão, a respeito da nossa reflexão e que carece de regulação urgente, prende-se com a submissão de projectos de investimento privado que foram iniciados há algum tempo e que deveriam seguir os termos da legislação aplicável ao investimento privado, porém, isto não se verificou. Esta situação, cujos contornos prometemos analisar num próximo artigo, suscita reflexões interessantes, na medida em que no actual paradigma do investimento privado a constituição das sociedades é prévia a submissão de registo dos projectos e não há qualquer obrigatoriedade legal e directa para que assim se proceda.
Notas de Rodapé:
[1] Para melhores desenvolvimentos, veja-se MOSES CAIAIA, “Nótulas sobre o novo regime legal e cambial aplicável à importação de capital e à transferência de lucros e dividendos no âmbito de investimentos externos”, Luanda, 2020, disponível em https://angolaforex.com/2020/01/08/specialist-ao-dr-moses-caiaia-notulas-sobre-o-novo-regime-legal-e-cambial-aplicavel-a-importacao-de-capital-e-a-transferencia-de-lucros-e-dividendos-no-ambito-de-investimentos-externos/