Specialist AO – Dr. Moses Caiaia – Sobre a extinção da obrigação de licenciamento dos Contratos de Prestação de Serviços de Assistência Técnica Estrangeira

No passado dia 9 de Janeiro, foi publicado o Aviso do Banco Nacional de Angola n.º 2/20 que estabelece as Regras e Procedimentos para a realização de operações cambiais de invisíveis correntes por pessoas colectivas e revoga o regime previsto no Aviso n.º 13/13, de 6 de Agosto.

Mais recentemente, a 9 de Abril, foi publicado o Decreto Presidencial n.º 98/20, que aproveita a alteração consagrada no Aviso referido anteriormente e extingue a obrigação, que vigorava anteriormente, de licenciamento dos contratos de gestão, prestação de serviços de assistência técnica estrangeira ou de gestão.

O citado Decreto Presidencial, que surge num contexto de emergência e traz um conjunto de Medidas Imediatas de Alívio dos Efeitos Económicos e Financeiros Negativos provocados pela pandemia da COVID-19, revoga o regime previsto no Decreto Presidencial n.º 273/11, de 27 de Outubro (que aprovou o Regulamento sobre a contratação de prestação dos Serviços de Assistência Técnica Estrangeira ou de Gestão)[1].

Para além da medida imediata em referência, o Decreto Presidencial n.º 98/20, prevê outras, igualmente, relevantes. São os casos da exoneração da obrigação que impendia às empresas de realizarem o registo estatístico e a desnecessidade de obtenção de Alvará Comercial para todas as actividades comerciais.

Todas estas medidas, inserem-se no âmbito da necessidade de serem removidos actos e procedimentos burocráticos que, até à aprovação das mesmas, incidiam sobre as empresas. Não obstante a relevância prática destas medidas, iremos debruçar-nos, afloradamente, sobre as mesmas num outro momento.

Através do presente artigo iremos cingir-nos apenas sobre a extinção da obrigação atinente ao licenciamento dos contratos prestação de serviços de assistência técnica estrangeira.

Neste sentido, refira-se que o ponto iii) do n.º 3 do Decreto Presidencial n.º 98/20, preceitua que “com a revisão do Decreto Presidencial n.º 273/11, de 27 de Outubro é extinta a obrigação das empresas licenciarem contratos de (…) prestação de serviços de assistência técnica estrangeira (…) no Banco Nacional de Angola e no Ministério da Economia e Planeamento”.

Apesar de a norma não se referir, desenvolvidamente, sobre a revisão, inferimos que alude sobre as novas regras e procedimentos previstas no Aviso do BNA, pois resulta do n.º 2 do art.º 9 deste diploma que “As Operações de Invisíveis e Correntes que envolvem a prestação de um serviço de valor superior a USD 25.000, 00 (vinte e cinco mil dólares norte americanos) devem ser suportados por Contrato”. (itálico nosso)

Por serviço, de acordo com a al. d) do art.º 3, entende-se “a prestação de assistência ou realização de tarefas por uma entidade não residente a favor de uma entidade residente, ou vice-versa, ou a utilização de um bem em circunstâncias análogas sem que haja transferência da propriedade do referido bem”. Apesar do sentido lato da definição, não parece restarem dúvidas de que cabe na mesma a prestação de serviços de assistência técnica estrangeira.

Posto isto, podemos extrair n.º 2 do art.º 9, numa perspectiva comparativa, uma diferença substancial face ao regime anterior, pois nos termos n.º 4 do art.º 1 do revogado Decreto Presidencial n.º 273/11, de 27 de Outubro competia ao Ministério da Economia e Planeamento, através de uma Comissão de Avaliação que deveria ser constituída para o efeito, proceder à análise e tomar uma decisão final em relação aos contratos de prestação de assistência técnica estrangeira cujo montante fosse superior a USD 300.000, 00.

No que concerne aos contratos de valor igual ou inferior a USD 300.000, 00 e cuja vigência fosse menor ou igual a 12 meses, o revogado Regulamento fixava, no n.º 2, apenas um dever de comunicação àquele departamento ministerial por parte da entidade beneficiária residente.

A previsão, actualmente, de um regime único aplicável aos contratos em alusão chama-nos especial atenção pelo facto de o legislador não ter tratado de forma diferenciada, pelas suas especificidades, os contratos celebrados entre empresas constituídas ao abrigo da Lei do Investimento Privado. É mais uma diferença substancial entre o anterior regime e o actual com contornos sobre as empresas que actuam ao abrigo do regime de investimento privado.

O regime anterior, sobre o qual já nos detivemos[2] previa, expressamente, a proibição da celebração de contratos entre tais empresas e os respectivos associados estrangeiros. Excepcionalmente, admitia que tal se verificasse desde que a Agência de Investimento Privado e Promoção das Exportações “AIPEX”, enquanto órgão gestor do investimento privado autorizasse (a Lei refere-se à extinta Agência Nacional de Investimento Privado “ANIP”, porém, deve ser feita uma interpretação actualista), autorizasse mediante parecer favorável do Ministério da Economia e Planeamento.

Ora, não havendo no novo regime quaisquer regras especiais, nesta sede, podemos concluir ser admissível a celebração entre tais empresas e os respectivos associados estrangeiras. Esta solução parece-nos não se afigurar como sendo a melhor.

Apesar de o Aviso, retomar, para além de outras obrigações, que já vinham previstas no Regulamento que se aplicava anteriormente, a expressa impossibilidade de o Contrato prever cláusulas lesivas à ordem pública na (conforme a al. f) do n. 2 do art. 9), a admissão referida pode potenciar, entre outros problemas, a fuga de capitais a coberto de tais contratos (pois em muitos casos os associados nem sequer prestam qualquer serviço, mas, o pagamento é efectuado ao abrigo de um contrato que resulta de uma simulação), para além de se afigurar prejudicial para as empresas angolanas que capazes de prestar determinados serviços de assistência técnica sem recurso às empresas estrangeiras se não for acompanhado de uma rigorosa fiscalização.

Em face disso, propugnamos, ser urgente uma revisão pontual do diploma em relação à matéria em referência, com vista a serem definidas regras específicas, que não coloquem em causa o grau de liberdade e celeridade que se pretende conferir aos processos de contratação de assistência técnica especializada a partir do estrangeiro.

Que não restem dúvidas que somos a favor da extinção da obrigatoriedade de licenciamento, porém, pensamos que a contratação entre empresas constituídas ao abrigo da Lei do Investimento Privado, no caso a Lei n.º 10/18, de 26 de Junho (que está em vigor), e os respectivos associados estrangeiros deve ser objecto de regulação (e nem sequer uma mera previsão na Lei, como vinha no regime anterior).

Notas de Rodapé:

[1] No entanto, através do Decreto Presidencial nº 123/13, de 28 de Agosto foram introduzidas alterações ao Decreto Presidencial n. 273/11, de 27 de Outubro.

[2] Cf., o nosso, “Os Contratos de Assistência Técnica entre empresas associadas no âmbito do Investimento Privado”, Luanda, 2019, disponível em Specialist AO

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