“…O desenvolvimento da agricultura é um imperativo nacional, para garantir a autossuficiência alimentar e reduzir as importações e os gastos em divisas.” Proferida em 2018, pelo Chefe de Estado, aquando do discurso sobre o estado da Nação.
Quando falamos da autossuficiência alimentar de um país, remete-nos imperativamente na capacidade para satisfazer as necessidades de consumo de bens alimentares da sua população, através da respectiva produção interna e/ou da importação de bens alimentares financiados pelas correspondentes exportações.
Ora, assim sendo, a questão que se coloca é; Angola poderá ter autossuficiência alimentar suficiente para satisfazer a necessidade da sua população?
Para responder a questão supra, permite-me primeiramente fazer uma pequena incursão sobre o crescimento da população versus autossuficiência alimentar. Uma das primeiras abordagens sobre essa temática, surgiu nas primeiras décadas do século XX, com o Economista Inglês Thomas Robert Malthus (Teoria Populacional Neomalthusiana). Segundo a qual, uma população numerosa seria um obstáculo ao desenvolvimento, e levaria ao esgotamento dos recursos naturais, ao desemprego, e a pobreza. Os Neomalthusianos apoiavam todas as formas de diminuir as taxas de natalidade, tais como; Casamento tardio, a abstinência sexual, a vasectomia e até mesmo o aborto. Sobre pretexto de que um índice juventude alta seria um peso econômico para o Estado.
Pouco tempo depois, surgiu a Teoria Populacional Reformista baseada nas ideias do filósofo, sociólogo, historiador, economista, jornalista e revolucionário Alemão Karl Heinrich Marx, em resposta à Teoria Populacional Neomalthusiana, segundo a qual, uma população jovem e numerosa, em virtude de elevadas taxas de natalidade, não é causa, mas consequência do subdesenvolvimento, adiantou ainda que nos países subdesenvolvidos, uma população jovem numerosa só se torna empecilho (peso econômico para o Estado), ao desenvolvimento de suas actividades econômicas quando não são realizados investimentos sociais, em especial na educação e na saúde.
Quando falamos da população angolana, é importante olharmos para os dados produzidos quer pelo PND quer pelo Censo 2014, assim, de acordo com o Plano de Desenvolvimento Nacional (PDN) 2018-2022, Angola é um extenso país, com uma superfície territorial de 1.246.700 km2, mas demograficamente muito desequilibrado, vastas regiões não têm habitantes ou têm uma densidade demográfica muito baixa, e tem uma das mais baixas densidades demográficas, a nível mundial, somente 20,7 habitantes por km2.
O PDN, visa a promoção do desenvolvimento socioeconómico e territorial do país, e tem um carácter prospectivo e plurianual, e, abrange os níveis nacionais, sectoriais e provinciais de planeamento e implementa as opções estratégicas de desenvolvimento a longo prazo do país, constantes da Estratégia de Longo Prazo (ELP) Angola 2025.
De acordo com o Recenseamento Geral da População e da Habitação de Angola de 2014 (Censo 2014), o primeiro realizado depois da Independência Nacional, pelo Instituto Nacional de Estatística (INE), mostra que até 2014, a população residente em Angola era de 25,7 milhões de habitantes, desigualmente distribuídos no território, maioritariamente residentes em áreas urbanas (62,6% da população total) e com uma forte concentração na província de Luanda, onde habitavam 6,9 milhões de pessoas (mais de um quarto da população do país), o que equivale a uma densidade de 368 pessoas por km2, bem acima da média nacional de 20,7 habitantes por km2. Seguiam-se como províncias mais povoadas a Huíla, com 2,5 milhões (10%), Benguela, com 2,2 milhões (9%), e o Huambo, com 2 milhões (8%). As províncias com menor densidade populacional foram o Cuando Cubango e o Moxico, com menos de 5 pessoas por km2. O Censo confirmou também que Angola é um país com mais mulheres do que homens. O Índice de Masculinidade (rácio homens/mulheres) é de 94,0. Isto significa que existem cerca de 94 homens para 100 mulheres.
As províncias com Índice de Masculinidade mais elevado, em que o número de homens é praticamente igual ao das mulheres são as seguintes: Zaire (98,8) e Bengo (98,4). A província com o Índice de Masculinidade mais baixo é a do Cunene, onde existem 88 homens por cada 100 mulheres. Seguem-se as províncias de: Huíla (90,3), Benguela (90,3) e Bié (90,6).
O Censo 2014, revelou ainda que 48% da população, com 18 ou mais anos, não tinha nenhum nível de escolaridade concluído, sendo que tal acontece em 54% da população com 25 a 64 anos e 89% da população com 65 ou mais anos.
A escolaridade completa do ensino superior era detida por 2,8% da população dos 25 aos 64 anos e por somente 0,8% da população de 65 ou mais anos, o que reflecte bem as dificuldades que os angolanos tiveram em aceder à formação universitária antes da independência. Neste grupo etário, 89% da população não concluiu qualquer nível de escolaridade e somente 5% possui o ensino primário e 3% o ensino secundário completo.
Os dados mais recentes divulgados em 2020, pela Worldometers.info, colocam Angola no 44º (quadragésimo quarto) lugar na lista dos paises mais populoso no Mundo, com uma população estimada em 32,866,272, milhões de habitantes, e o 12º (decimo segundo) país mais populoso de África, sendo a lista composta por 235 países, na qual é liderada pela China com 1,439,323,774. A Nigéria continua a ser o país mais populoso de África com uma população estimada em 206,139,589.
No que tange autossuficiência alimentar, os dados do Relatório do Plano de Desenvolvimento de Médio Prazo, quando analisamos o subsector agrícola, para o período 2018 -2022, apresentam alguns problemas relacionados com a produção agrícola, onde apenas dois terços da população empregada no sector agrário está concentrada em 7 (sete) províncias do país, nomeadamente, Uíge, Kwanza Sul, Malange, Benguela, Huambo, Bié e Huíla, e são responsáveis pela maioria da população empregue no sector agrário, o que reflecte o peso destas provinciais na produção agrária do país. As restantes 11 (onze) províncias, apresentam um nível de população empregada no sector agrário, bastante reduzido, principalmente na parte Sul do país onde há uma seca sem precedente há vários anos, no mesmo documento são notórios outros problemas, tais como:
– A carência de diversos integrantes da cadeia de distribuição em todas as regiões do país, tais como entrepostos para conservação dos produtos e transportadores de dimensão regional e nacional para transportarem os produtos das áreas de produção ao consumidor final;
-A distribuição, comercialização e o escoamento dos produtos do campo ao consumidor final também enfrenta constrangimentos de ordem estrutural;
– Custos elevados dos factores de produção agrícola;
– A inexistência de preços mínimos de referência dos produtos agrícolas reduz o poder negocial dos agricultores (principalmente os de natureza familiar) diante dos grossistas e retalhistas;
– Falta de políticas que protegem as culturas com elevada produção local;
– O baixo nível de produtividade impede o país de produzir quantidades suficientes de alimentos para satisfazer as necessidades de consumo doméstico e, simultaneamente, gerar excedentes de produção para exportação, e;
– Regista-se uma carência de quadros formados e capacitados. Esta situação é derivada do facto do modelo de formação técnica e desenvolvimento de quadros ser inadequado, consubstanciado pela falta de articulação entre as reais necessidades técnicas do sector e os programas curriculares das instituições de ensino, recorrendo a formação especializada no exterior com elevado custo e reduzido número de formandos.
Apesar dos problemas apresentados pelo Relatório do Plano de Desenvolvimento de Médio Prazo, para o período 2018 -2022, não serem animadores, o Orçamento Geral do Estado (OGE) 2021, faz previsões mais optimistas para o sector agrícola, o OGE, prevê despesas fixadas no montante de kz 14 785 200 965 825,0 (catorze bilhões, setecentos e oitenta e cinco mil milhões, duzentos milhões, novecentos e sessenta e cinco mil e oitocentos e vinte e cinco kwanzas), e para Agricultura prevê uma expansão a uma taxa de 2,5%, face aos períodos homólogos, em 2019, 2020 e 2020 Revisto, com taxas de 0,8 %, 3,1% e -1,2 %, respectivamente.
Dados apontam que o sector agrícola é dos que mais contribuiu em 2020 no sentido positivo para o Bruto Interno Bruto (PIB). Os dados referentes à primeira campanha do ano agrícola de 2019/2020 dão conta da continuidade da recuperação do sector, depois de, em 2019, ter retomado à trajectória de crescimento. Os dados indicam aumento da produção de ovos (em 11%), de cereais (massango, em 14,5%; milho, em 0,4%), de raízes e tubérculos (mandioca, em 1,5%; batata doce, em 1%) e frutas (citrinos, em 5%; banana, em 1,2%; manga, em 4,5%).
Assim, respondendo a questão colocada, se Angola poderá ter autossuficiência alimentar suficiente para satisfazer a necessidade da população? Em minha opinião particular, sim, obviamente que haverá sempre uma necessidade de um forte investimento nos sectores como o da educação, agricultura e sáude, de acordo com o último OGE, a par da agricultura, houve também uma aposta substancial nos outros dois sectores em referência, sendo que as verbas com a saúde foram de 841,5 mil milhões de Kwanzas (5,6%) e a educação um bilião nove mil milhões de Kwanzas (6,83%), perfazendo, ambos os sectores, um peso aproximado de 12,5 por cento do OGE 2021.
Conforme já mencionado, demograficamente Angola é muito desequilibrado, vastas regiões não têm habitantes ou têm uma densidade demográfica muito baixa, há uma concentração populacional na Cidade Capital, mais de um quarto da população do país, e quanto a agricultura, 47% da superfície de terra do país, i.e, 58.000.000 hectares (ha), é propício para o exercício da actividade agrícola.No entanto, deste potencial, apenas 10% está a ser actualmente explorado, ou seja, 5.744.815 hectares (ha), sendo que 54% faz parte população activa, apesar da falta de formação das técnicas de cultivo, há uma forte tendência para a prática da Agricultura familiar. Países extremamente populosos, tal como China e a India, só para citar, conseguiram ultrapassar esse grande obstáculo da problemática população vs autossuficiência alimentar, e hoje, são dos principais exportadores de insumos agrícolas, maquinaria e know-how, pois, e tal como Marx, estes países perceberam que investindo fortemente na educação, agricultura e saúde, lhes traria maior robustez as suas economias, dado que estes 3 (três) sectores estão intrinsecamente ligados ao desenvolvimento de qualquer Nação.
Angola é por ironia do destino um país abençoado por Deus, desde o clima aos solos, desde sua população predominantemente jovem, aos vastos rios e lagos, enfim, temos tudo o que precisamos em abundância, só depende de nós (angolanos).
Por essa Pátria que eu amo!
Paulo Gungui