Specialist AO – Dr. Moses Caiaia – Questões problemáticas sobre o novo regime (contratual) susceptível de ser aplicado aos projectos de investimento privado

Através do Decreto Presidencial n.º 271/21, de 16 de Novembro, foi reintroduzido, no ordenamento jurídico angolano, o regime contratual como um dos regimes pelo qual se podem realizar os projectos de investimento privado, para além dos que já vigoram, nomeadamente o regime de declaração prévia e o regime contratual.

Na verdade, o Decreto retro, veio alterar o Decreto Presidencial n.º 250/18, de 30 de Outubro, que aprova o Procedimento para a realização do Investimento Privado, e conformar a aplicação da Lei n.º 10/18, de 10 de Março (Do Investimento Privado), na sua versão republicada através da Lei n.º 10/21, de 22 de Abril.

Grosso modo, o novo regime é caracterizado por implicar uma negociação entre os investidores privados, tendo como base uma proposta contratual que é submetida à AIPEX (enquanto representante do Estado), pelos mesmos investidores com outros documentos previstos no art.º 6 do DP 271/21, de 16 Novembro. A referida proposta contratual deve, entre outras, prever as cláusulas constantes no art.º 11 – A.

Embora pareça de fácil aceitação, o ressurgimento do regime contratual, nos termos em que foi feito, suscita um conjunto de questões problemáticas. Entre as várias, elegemos, para apreciar especialmente, através do presente artigo, o critério para aplicação do mesmo regime.

Dispõe o n.º 2 do art.º 11 do Decreto retro, que “O Regime Contratual se aplica aos projectos de investimento privado, realizados em qualquer sector de actividade, cujo montante de investimento corresponde ao contravalor em Kwanzas equivalente ou superior a USD 10.000.000, 00 (dez milhões de dólares dos Estados Unidos da América) e que criem pelo menos 50 postos de trabalho directos para nacionais”. (itálico nosso)

Se nos atermos à redacção dada, poder-se-á simplesmente concluir que existem dois critérios e que (nos parece) se cumulam. Mas, não é bem assim. Antes de tudo, interessa indagar se a definição dos critérios não deveria ser uma matéria a ser tratada por via da Lei e não do Regulamento.

Não iremos, obviamente, discorrer neste artigo sobre questões básicas e gerais de Direito, mas é sabido que os Regulamentos das Leis visam concretizá-las ou garantir a sua boa aplicação e não ir além das mesmas. Ora, partindo deste princípio, com o devido respeito por quem tem um entendimento diferente, parece-nos que deveria ser a Lei a fixar os critérios, sendo que o Regulamento deveria limitar-se a fixar os termos de aferição dos mesmos critérios a partir de determina proposta contratual.

Apesar disso e tendo o legislador avançado para uma solução que em nosso entender não foi a melhor, interessa-nos analisar, com cuidada atenção, os critérios. Em princípio, pela norma que já tivermos a oportunidade de expor, o legislador dá a ideia de que os mesmos são cumulativos, ou seja, deve necessariamente a proposta corresponder a um valor não inferior 10.000.000, 00 (dez milhões de dólares dos Estados Unidos da América) e criar, no mínimo, 50 postos de trabalho directos para nacionais.

Mas, o n.º 3 do mesmo artigo, em análise, vem afastar a exigência da cumulatividade aludida, admitindo que os projectos de investimento que não correspondam ao valor citado, mas criem o número mínimo de força de trabalho, também já citado, possam seguir o regime contratual. Neste caso, o legislador prevê que tal aconteça em relação a projectos considerados estruturantes.

A redacção normativa, não havendo – nem na Lei nem no Decreto Presidencial supracitados – mais quaisquer indicadores sobre o que pode ser um projecto estruturantes, deixa claramente ao intérprete aplicador a responsabilidade de encontrar uma definição. Ora, isto parece-nos grave e não concorre para a certeza e a segurança jurídica que o sistema de investimento privado deve gerar.

Já tivemos a oportunidade de nos pronunciar sobre o tema, quando tratamos em relação à concessão de incentivos de forma extraordinária a dois grandes projectos de investimento, nomeadamente “AFRICELL” e “GEMCORP”[1]. Chegamos a reconhecer a importância que ambos representam, os seus altos indicadores económicos e os impactos económicos e social esperados, mas propugnamos que o caminho que se seguiu – ao não se considerarem outras iniciativas que também se poderia enquadrar nesta visão – é prejudicial para as empresas que já operam no mercado angolano e potencia concorrência desleal.

Este mesmo entendimento, vale também em relação à abordagem sobre os critérios para a determinação do regime contratual no âmbito do investimento privado. Conhecendo a prática da nossa administração pública, pensamos que não deve ser ela a assumir – mesmo que se queira admitir que o regime implica negociação, será sempre o Estado a decidir – discricionariamente o que é estruturante e o que não é. É a Lei que tem que determinar, favorecendo, assim, um sistema de investimento privado legal, justo e gerador de confiança.

Notas de Rodapé:

[1] Vd. CAIAIA, Moses, UM CONTRIBUTO PARA A COMPREENSÁO DO ESTATUTO LEGAL DO INVESTIDOR PRIVADO, Ponto de Vista, Lda., Luanda, 2021, pp. 21-22

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