Dando sequência às nossas abordagens sobre as alterações recentes e mais significativas em relação ao quadro legal do investimento privado, propomo-nos hoje em tratar sobre a possibilidade, agora existente, de determinado investidor estrangeiro puder repatriar lucros e dividendos ainda que o Projecto de Investimento Privado relacionado não esteja completamente executado.
Tal possibilidade vem prevista no art.º 19 da Lei n.º 10/21, de 22 de Abril – Do Investimento Privado (na sua versão republicada) e adiante designada somente por “LIP”. Apesar de a aludida norma manter a condição, para tal repatriamento, referente ao pagamento dos tributos devidos e à constituição das reservas obrigatórias, a possibilidade em alusão não deixa de constituir uma relevante alteração ao regime face ao que vigorava na versão da Lei antes da republicação (vd art.º 19 da Lei n.º 10/18, de 26 de Junho).
Para além do pagamento dos tributos devidos e da constituição das reservas obrigatórias, a norma impunha, claramente, que as autoridades competentes – aqui, em concreto, referimo-nos à Agência do Investimento Privado e Promoção das Exportações (também conhecida por AIPEX) porque a ela compete não só registar os projectos, porém acompanhar e fiscalizar os mesmos – atestassem a execução completa dos projectos, como a outra condição (diríamos que era até a primeira) para a transferência de lucros e dividendos por parte dos investidores estrangeiros.
Há especialistas que concordam com a decisão de se aligeirar o procedimento e os formalismos para a transferência em causa e outros têm uma posição mais conservadora.
Antes de explicitarmos os principais argumentos que jogam contra a e favor, convém notar que o regime aplicável ao licenciamento de capitais e transferência de lucros e dividendos é dos que mais alterações tem vindo a registar nos últimos anos. Quer por via da Lei do Investimento Privado quer por via de Instrutivos e Avisos do Banco Nacional de Angola (a seguir BNA), tem se visado maior celeridade considerando a relevância que a matéria assume na captação de investimento privado externo, bem como na continuação dos projectos que já se encontram na fase de exploração.
Não obstante o elogiável esforço de actualização, deve merecer a nossa crítica negativa a falta de alinhamento de todo este processo, sendo um claro exemplo disto, o facto de através do Aviso n.º 11/21, de 23 de Dezembro o BNA ter retomado na al. c) do art.º 9 a exigência (sobre a certificação por parte das autoridades competentes), que já não vem prevista na versão republicada da LIP. Como se pode perceber, a referida versão foi aprovada e publicada quase nove meses antes do Aviso retro.
Cingindo-nos, então, às críticas em relação à opção por um regime mais liberal, nos termos já citados, diríamos que alguns especialistas sustentam a ideia de que deve existir, cada vez menos, interferências das entidades públicas na decisão dos investidores no que toca à transferência de lucros e dividendos. Dão como exemplo, as restrições que se verificaram, por exemplo, entre 2018 e 2020, impostas excepcionalmente pelos Bancos em virtude das dificuldades financeiras e económicas que o país atravessava[1].
Ao contrário, mesmo sem descurarem a necessidade de liberalização do regime, outros especialistas defendem algumas cautelas neste processo, fundamentalmente por questões operacionais e jurídicas, pois ao afastar-se a obrigatoriedade de certificação até investidores que se encontrem numa situação de incumprimento em relação aos compromissos assumidos com o Estado quanto à realização do projecto (por exemplo, por incumprimento no que concerne à transferência dos recursos para a implementação do mesmo projecto) poderão transferir lucros e dividendos. A nova solução é permissiva a isto, ainda que queiramos considerar a existência de um regime de transgressões e penalidades aplicável ao investimento privado.
A certificação sobre a execução completa do projecto, nos termos em que era feito pela AIPEX, até antes da republicação da LIP, impunha a verificação de todos os compromissos que o investidor se propôs (entre os quais destacamos a contratação de determinada força de trabalho e a transferência de equipamentos, dinheiro e/ou conhecimento em Angola) e não somente o pagamento dos tributos devidos e da constituição das reservas obrigatórias. Confirmada a execução, a AIPEX emitia uma Declaração de Conformidade e Execução do projecto.
Entre as duas posições apresentadas, perfilhamos a segunda, a despeito de compreendermos que no actual contexto, até pelos desafios impostos pela pandemia COVID-19, impunha-se o reforço das vantagens que se podem conferir aos investidores privados estrangeiros ao abrigo do Estatuto que lhes é reservado.
Finalmente, é recomendável que o BNA adeque, com urgência, os procedimentos para as transferências de lucros e dividendos em harmonia com a nova solução prevista na LIP.
Notas de Rodapé:
[1] A respeito, merece nota o Relatório Mundial sobre os Investimentos (disponível em https://news.un.org/pt/search/RELATÓRIO%20DE%20INVESTIMENTO%20MUNDIAL%202021), publicado em 2021, pela Conferência das Nações Unidas sobre o Comércio e o Desenvolvimento, que embora aluda mais sobre os efeitos da pandemia da COVID-19 (factor que, no caso de Angola, agudizou a crise económica que já existia desde o segundo semestre de 2014 com a baixa do preço do petróleo), no que toca ao Investimento Directo estrangeiro (IDE) em África, permite concluir que o repatriamento de capital das empresas multinacionais que fazem negócios em Angola diminuiu em relação ao período anterior. Isto sinaliza que, entendemos nós, para muitos investidores há uma melhoria relativa quanto ao quadro anterior.
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