Specialist AO – Dr. Moses Caiaia – Os regimes aplicáveis ao licenciamento de capitais e à transferência de lucros e dividendos no âmbito do Investimento Privado

As operações de licenciamento e de repatriamento de capitais, em sede do investimento privado, obedecem regimes cambiais próprios. Por meio do presente artigo pretendemos abordar os aspectos mais relevantes do referido regime, bem como comentar algumas questões críticas que tais regimes convocam.

Para facilitar a compreensão e o estudo artigo, decidimos dividi-lo em duas partes. Na primeira trataremos de apreciar o regime aplicável ao licenciamento de capitais e na segunda o regime aplicável à transferência de lucros e dividendos.

1) O licenciamento de capitais


Dimana do n.º 2 do art.º 41 da Lei n.º 10/18, de 26 de Junho – Do Investimento Privado (adiante designada abreviadamente por “LIP”) que “a realização das operações de importação de capitais obedece às regras definidas em regulamentação específica da autoridade monetária e cambial.” Isto quer dizer que se acomete ao Banco Nacional de Angola (adiante designado identificado somente pela sigla “BNA”), na qualidade de autoridade monetária e cambial no sistema financeiro angolano, conforme decorre do art.º 3 da Lei Cambial (1) , a regulação das operações previstas no art.º 9 da LIP e que pressupõem a importação de capitais.

Entre as operações, merece destaque a prevista na al. a) do n.º 1 do citado artigo que se refere sobre a introdução no território nacional de moeda livremente convertível. Assim, quando esta operação é levada a cabo por não residentes cambiais e os recursos sejam provenientes do exterior estamos no âmbito de uma operação de investimento privado.

A regulamentação específica é feita através do Aviso do BNA n.º 14/14, de 24 de Dezembro que fixa os procedimentos para o licenciamento e registo de importação de capitais. Convém referir que este diploma revogou, expressamente, a Secção B do ponto 6 do o Instrutivo do BNA n.º 01/2003, de 7 de Fevereiro. A aludida secção refere-se sobre as operações de investimento privado.

O Aviso em vigor, ao contrário do regime que o mesmo revogou, introduziu reformas com vista à simplificação de procedimentos, sendo o mais importante, do nosso ponto de vista, o facto de se exigir apenas como documento bastante para que o investidor externo possa importar capitais o Certificado de Registo de Investimento Privado (CRIP), dispensando-se a obtenção prévia de uma licença.

Determina-se, no art.º 3, que o investidor deve proceder o registo, por intermédio da instituição financeira bancária que intervir na operação, cabendo à mesma remeter ao BNA o CRIP que autoriza o investimento e o comprovativo da operação bancária atestando o crédito dos valores.

2) Transferência de lucros e dividendos

O lucro é essencial é para qualquer investidor privado. Apesar de todas as discussões existentes, o direito ao lucro continua a ser importante e, as vezes, determinante na execução e implementação dos projectos de investimento privado.

No nosso ordenamento jurídico, o direito do sócio (qualidade que o investidor privado, em regra, assume através da sociedade veículo) em quinhorar nos lucros vem previsto no art.º 21.º n.º 1, alínea a), no art.º 22.º do LSC e no art.º 991.º do CC. Assim, o sócio, individualmente considerado, tem um direito que, por um lado, lhe confere a faculdade de exigir que a sociedade tenha por finalidade o escopo lucrativo e, por outro lado, confere o direito de participar na distribuição do lucro.

Todas as normas que versam sobre a matéria revestem-se de capital importância, especialmente por vigorar, na nossa ordem jurídica, a proibição do pacto leonino. Tal proibição vem expressa no art.º 994.º do CC. Assim, quer se retire ou não a essencialidade do lucro, a sua obtenção e distribuição são factores determinantes e típicos no direito societário.

Por isso, um sócio não pode ser excluído da distribuição de lucros, nem de participar nas perdas da sociedade. Qualquer convenção num ou noutro deve ser considerada nula.

Apesar da relevância que no ordenamento jurídico se concede ao direito ao lucro, a actual LIP, diferente da anterior, não tem uma norma específica sobre a transferência de lucros. O art.º 19.º, cuja epígrafe é “Transferência para o exterior” apenas refere-se (i) valores correspondentes aos dividendos, (ii) valores correspondentes ao produto da liquidação dos seus empreendimentos, (iii) valores correspondentes a indemnizações que lhe sejam devidas e (iv) valores correspondentes a royalties ou a outros rendimentos de remuneração de investimentos indirectos, associados a cedência de tecnologia.

Assim sendo, assegura-se aos investidores externos, após a execução completa do Projecto de Investimento Privado, devidamente comprovada pelas autoridades competentes e, após o pagamento dos tributos devidos e da constituição das reservas obrigatórias, o direito à transferências para o exterior de todos os valores que referimos.

Em face disso, poderá colocar-se a questão de saber se, não havendo uma consagração expressa do referido direito, o mesmo não é conferido aos investidores privados.

Ora, apesar de não estar expressamente consagrado na LIP, em relação à matéria vigora na nossa ordem jurídica o Aviso do BNA n.º 13/14, de 24 de Dezembro. Este diploma consagra os procedimentos que devem ser cumpridos nas transferências para o exterior do país de quaisquer lucros ou dividendos a que os investidores externos tenham direito.

O primeiro aspecto a destacar, no que toca ao aludido aviso, prende-se com o facto de apenas os investimentos que correspondam, num valor global anual, a Kz 500.000.000, 00 (quinhentos milhões de kwanzas) carecerem de autorização prévia do BNA. A contrário sensu, os processos referentes à transferências de valores inferiores ao que estipula o diploma devem ser tratados somente em sede das instituições bancárias. Na verdade o que há é uma autorização automática, embora o banco central atribua a cada operação uma referencia para efeitos de controlo.

Uma questão que se tem levantado tem a ver com a actualização do valor dado que na altura da aprovação e publicação do Aviso aquele valor correspondia a USD 500.000.000, 00. Actualmente, com a desvalorização do kwanza, Kz 500.000.000, 00 não corresponde àquele valor em dólares, todavia, é preciso nesta análise ter em conta as restrições – que se mantém – em relação à disponibilidade de divisas por parte das instituições bancárias.

Em termos de documentação, para instruir o pedido de transferência, o art.º 3 determina que a entidade ordenadora deve submeter às instituições bancárias o CRIP e Demonstrações financeiras auditadas por entidade independente. Tem sido, também, solicitada a acta deliberativa da sociedade referente à distribuição de lucros.

Vigora um regime de responsabilidade das instituições financeiras, previsto no art.º 4, que importa salientar. De acordo com o mesmo aquelas instituições têm a obrigação de aferir, antes de transferirem quaisquer lucros ou dividendos ou de remeterem processos ao BNA para obtenção de autorização, a observância integral de um conjunto de condições, entre as quais destacamos as de ordem fiscal e as que se prendem com o cumprimento dos procedimentos para a identificação e conhecimento dos clientes e seus negócios de acordo com a legislação aplicável.

Notas de Rodapé (NR)

(1) Aprovado pela Lei n.º 5/97, de 27 de Junho.

 

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