Specialist AO – Dr. Moses Caiaia – Sobre a impossibilidade de transformação de uma sucursal para sociedade comercial. Questões específicas no âmbito do investimento privado.

Nota prévia: Sempre que a indicação legal não revele a fonte, trata-se de um artigo da Lei n.º 10/18, de 26 de Junho (adiante designada abreviadamente “LIP”).

Por hipótese, pensemos no seguinte:

A sociedade-estrangeira A decidiu executar um projecto de investimento privado em Angola. Para o efeito registou uma sucursal. Volvidos alguns meses a mesma sociedade pretende transformar a sucursal em sociedade (no caso “B”) e, se não sendo possível, quer cancelar o referido registo e dar continuidade à sua actividade, em Angola, através da sociedade B, a ser constituída para o efeito. Pretende ainda, neste sentido, que a sociedade B, com o cancelamento, possa assumir os seus activos e passivos, incluindo os direitos patrimoniais concedidos àquela e os privilégios que lhe foram atribuídas – enquanto investidora privada.

A partir desta curta hipótese, aparentemente simples, podem ser identificados vários problemas de ordem prática face ao regime legal do investimento privado. Centrar-nos-emos, primeiro, em responder se possível a transferência de uma sucursal para uma sociedade e, em segundo lugar, à sociedade B podem ser transferidos os direitos patrimoniais concedidos àquela e os privilégios conferidos à sociedade A por força do seu estatuto de investidora privada.

Antes de tudo e a título de caracterização, convém sublinhar uma sucursal constitui uma formal legal de representação comercial. Consiste, assim, numa entidade legal não autónoma da sociedades-mãe (que deve ser sociedade estrangeira), sendo que, funciona como uma extensão local das mesmas. No entanto, esta relação de dependência é marcada pelo facto de uma sucursal ter capacidade empresarial própria e autonomia, embora a sociedade-mãe se responsabilize sem qualquer limitação pelas obrigações assumidas ou imputadas às sucursais.  

A firma da sucursal consiste no nome da sociedade-mãe, acompanhado da designação “sucursal em Angola”.

Um outro aspecto importante a considerar, neste intróito, é o facto de não existir um regime legal específico que se lhes aplica, o que tem como consequência uma falta de regulação a respeito da sua estrutura funcional, nomeadamente, no que tange aos órgãos sociais e às suas responsabilidades.

Não obstante, a al. m) do art. º 9 da Lei refere-se ao registo de sucursais como uma das operações para a realização do investimento externo. São, no entanto, admitidas outras formas de representação social de empresas estrangeiras para o mesmo propósito.

Posto isto, interessa-nos, então, saber se é possível proceder-se à transferência de uma sucursal para uma sociedade comercial. Antes de respondermos, convém frisar que esta questão não é específica do investimento privado. Alguns Juristas já a têm colocado no âmbito do Direito das Sociedades Comerciais.

Ora, se atentarmos aos traços caracterizadores de uma sucursal, com o devido respeito por que tem uma opinião diferente, a nossa opinião é que não é possível a transformação referida.

Uma “transformação” de um tipo social para outro é admissível quer nos termos da Lei n.º 1/04, de 13 de Fevereiro – Das Sociedades Comerciais quer nos termos da Lei n.º 19/12, de 11 e Junho – Das Sociedades Unipessoais. Com efeito, é, por exemplo, admissível nos termos do art.º 8 deste último diploma que a partir de uma sociedade, por quota ou anónima, resulte uma sociedade unipessoal (se houver, como dispõe a norma, uma concentração de participações e um único sócio passar a ser o titular das mesmas).

A referida transformação está sujeita a um conjunto de regras notariais e registadas, como resulta da própria LSU e da Lei n.º 11/15 – De Simplificação do Processo de Constituição de Sociedades Comerciais. Não iremos aflorar este tema, por não ser o objecto do presente artigo, porém, o importante a reter é que a transformação no sentido técnico-jurídico obedece a regras específicas previstas na Lei que não nos repugna aceitar uma discussão tendo em atenção à autonomia privada que caracteriza o Direito das Sociedades Comerciais.

Ora, a obediência referida não sucede com as sucursais. O próprio processo de registo das mesmas não obedece às regras para a constituição de uma sociedade comercial que, apesar de serem cada vez mais simplificadas, obedecem a um “ritual”. Ademais, como já referimos, a sociedade-mãe, que que requer o registo, responsabiliza-se sem qualquer limitação pelas obrigações assumidas ou imputadas às mesmas.

Resta-nos, agora, reflectir em torno da segunda questão que suscitamos, tendo em atenção o caso de estudo, e que visa responder se os direitos patrimoniais e privilégios concedidos à determinada sociedade-estrangeira, pelo registo de uma sucursal em Angola, podem ser transferidos a uma nova sociedade que a mesma pretenda constituir, também em Angola. 

Parece-nos importante, antes de tudo, indagar sobre que poderão levar determinada sociedade estrangeira a decidir pelo cancelamento da sua sucursal em Angola e optar pela constituição de uma sociedade. Há várias razões que podem ser apontadas, porém, parece-nos que a principal tem que ver com o carácter limitativo das sucursais, que já tivemos a oportunidade de evidenciar. Dito de outro modo, se numa fase inicial do investimento justifica-se que ela apenas actue através de um procurador, como sucede na maior parte dos casos, com o decorrer do tempo e crescimento da actividade e compromissos comerciais da sucursal, vai sendo exigindo menos limitações.

Mesmo com tais limitações, a LIP não exclui a possibilidade de as sociedades-estrangeiras, promotoras de investimento através do registo de sucursais, se sujeitarem a quaisquer restrições se compararmos com o que sucede com aquelas que desenvolvem projectos de acordo com o regime de acto constitutivo originário de uma sociedade. Considerando isto, todos as obrigações, direitos e privilégios que a LIP e outros que com ele se relacionam conferem aos investidores privados também se aplicam às sociedades-estrangeiras promotoras de investimento através do registo de sucursais.

Tais obrigações, direitos e privilégios integram o Estatuto de Investidor, sendo por isso, conferidos por esta qualidade (a de investidor). Será então possível que, nos termos da Lei e volvido algum período, determinada sociedade-estrangeira possa cancelar o registo da sucursal e transferir os activos e passivos para a nova sociedade?

A nossa resposta é positiva na medida em que do ponto de vista legal nada obsta que isso possa acontecer. Poderíamos cingir-nos a todos os contornos, mas, iremos ater-nos à transferência de lucros e ao visto do investidor por serem específicos do investimento privado e suscitarem maiores problemas de ordem prática.

Assim e salvo melhor opinião, parece-nos importante que antes de se proceder o citado cancelamento a sociedade-estrangeira, partindo aqui do princípio que a mesma cumpriu cabalmente as suas principais obrigações (realizou nos termos a que se comprometeu o investimento e cumpre as suas obrigações fiscais e ligadas à segurança social), constitua a nova sociedade, delibere sobre a transferência, se certifique que tem assegurado o seu direito de transferência de lucros e ou dividendos junto das instituições bancárias competentes.

Mesmo com a transferência dos activos e passivos, entendemos, com o devido respeito por quem tenha uma opinião diferente, que a sociedade-estrangeira deverá realizar um investimento para o novo ente que constituiu. Esta solução enquadra-se, perfeitamente, na al. b) do n. 1 do art.º 10 da Lei que prevê a possibilidade de o investimento externo ser realizado através da “aplicação de disponibilidades em moeda nacional e externa, em contas bancárias constituídas em Angola por não residentes cambiais, susceptíveis de repatriamento, nos termos da legislação cambial aplicável”.

Neste sentido, a sociedade-estrangeira deverá registar um projecto de investimento e considerar como valor para o efeito o que for, num caso concreto, susceptívell de repatriamento, nos termos da legislação cambial aplicável[1].

Uma outra questão específica do regime do investimento privado, numa hipótese de transferência de activos e passivos para um novo ente, tem a ver com o Visto de Investidor que antes pertencia ao procurador da sucursal e que, com o cancelamento registo da mesma, deve ser extinto. A respeito, não identificamos nenhuma resposta quer na LIP quer na Lei n.º 13/19, de 23 de Maio (que aprova o Regime Jurídico dos Cidadãos Estrangeiros na República de Angola).

Ainda assim, parece-nos que a solução deverá passar pelo cancelamento do Visto do procurador da sucursal e a indicação pela sociedade-estrangeira, enquanto promotora do investimento, do seu representante face à nova sociedade. Isto, ainda que venha a ser a mesma pessoa. Do regime aplicável aos cidadãos estrangeiros em Angola, infere-se que o Visto é atribuído em nome da Sucursal ou sociedade, o que quer dizer que com a inexistência de uma ou de outra cessa o direito ao mesmo.

Em termos operacionais e se considerarmos que a AIPEX é o órgão que regista, acompanha e fiscaliza os projectos de investimento regulados ao abrigo da Lei, parece-nos que depois de a sociedade-estrangeira deliberar sobre o cancelamento do registo da sucursal e confirmar que te condições, de iure e de facto, para exercer o seu direito de transferir, nos termos supra, deverá manifestar a sua pretensão de realizar um investimento nos moldes referenciados à citada instituição. Caberá a esta, orientar sobre os termos a proceder e estabelecer contacto, considerando as competências que lhe são atribuídas pelo Decreto Presidencial n.º 81/18, de 19 de Março, as demais instituições que intervêm neste processo.

Em jeito de resumo, podemos considerar que não é possível a transferência de uma sucursal para uma sociedade. Também podemos concluir que se determinada sociedade-estrangeira pretender cancelar o registo da sua sucursal, registada em Angola e transferir os activos e passivos para a nova sociedade poderá fazê-lo, mas, deverá acautelar, entre outros, o seu direito de transferir lucros e dividendos, bem como a situação migratória do eventual representante da mesma sociedade. Sublinhe-se que, estas questões devem estar devidamente acauteladas antes de se proceder o cancelamento da mesma sucursal.

Notas de Rodapé:

[1] Para melhores desenvolvimentos, veja-se MOSES CAIAIA, Nótulas sobre o novo regime legal e cambial aplicável à importação de capital e à transferência de lucros e dividendos no âmbito de investimentos externos”, Luanda, 2020, disponível em Specialist AO

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